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Enchentes, deslizamentos, falta de água: como a crise climática chega nas mulheres periféricas

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes

REVISÃO: Mariana Belmont
PUBLICADO EM: 25 de agosto de 2021

A narrativa ambiental e da mudança climática é facilmente associada às comunidades do campo, mas ela também atinge mulheres periféricas da cidade.

Enchentes

Tempestades, enchentes e deslizamentos impactam intensamente as periferias urbanas, que possuem infraestrutura precária. Esses eventos são noticiados na televisão e nos jornais como fatos arbitrários, quando na verdade são sinais de que já vivemos as consequências de uma sociedade desigual, agravadas pela mudança climática.

Famílias com as mais diversas composições são vítimas desses desastres, mas é sobre os ombros das mulheres periféricas que recai a responsabilidade de fazer o trabalho de cuidado, ao mesmo tempo em que se tornam vulneráveis a violências de gênero.

Mulheres periféricas são as cuidadoras da família

Estes eventos aumentam o número de pessoas doentes e feridas nas comunidades periféricas e favelas. Além disso, frequentemente as vítimas ficam sem acesso à água potável e alimentos. Nesse cenário, cabe às mulheres a preocupação e o deslocamento para conseguir insumos e fornecimento de água, como aponta o relatório da CEPAL.

Quando eventos extremos e desastres forçam suas vítimas a deixarem as moradias permanentemente, as mulheres periféricas não só perdem a casa, como também a rede de apoio – a vizinhança com quem muitas vezes dividem os trabalhos de cuidado das crianças, por exemplo.

Dessa forma, os trabalhos domésticos, não-remunerados, socialmente vistos como algo natural à mulher, causam uma sobrecarga física e mental, além de uma pressão e compromisso com o bem-estar da família.

As mulheres periféricas têm cor: negra

A população periférica é, em sua maioria, negra. Viver na periferia significa mínimo ou nenhum acesso aos principais equipamentos públicos da cidade, o que causa uma diferença visível em relação às pessoas que moram em regiões centrais quando falamos da saúde (as adolescentes negras periféricas registram os maiores índices de gravidez) e na alimentação (têm mais dificuldade de acessar alimentos saudáveis do que quem mora no centro).

Ainda segundo o relatório da CEPAL, as mulheres em situação de pobreza, muitas vezes mulheres negras, chefes de família, têm menos tempo disponível para educação e capacitação. Isso prejudica as possibilidades de gerar renda ou conseguir empregos bem remunerados. Assim, as mudanças climáticas reforçam a escassez de tempo das mulheres para atividades além das domésticas, de cuidado e reprodução – sendo essas invisíveis, não-remuneradas e que não lhe permitem o autocuidado.

Falta de estrutura das periferias se agrava com as mudanças climáticas

A precariedade da infraestrutura das periferias urbanas e favelas agrava os riscos de saúde e a fragilidade financeira dos seus moradores.

Como esses locais frequentemente possuem sistemas de esgotamento sanitário inseguros, isso apresenta efeitos diretos na qualidade de vida das mulheres, meninas e populações vulneráveis.

A falta de água tratada aumenta a incidência de infecções gastrointestinais. Mesmo quando há acesso à água tratada, a coleta de esgoto inconsistente enfraquece as condições de saúde, ocasionando também doenças transmitidas por vetores (mosquitos e animais).

A mobilidade é outra questão. Segundo o IBGE, cerca de 20% do orçamento doméstico das famílias que sobrevivem com até dois salários é comprometido com transporte (IBGE, 2020). A baixa disponibilidade de transporte público diminui o acesso da população a oportunidades de trabalho, transporte, saúde e educação nos centros urbanos do país.

Mulheres periféricas à frente da solução

Ainda que sejam muitas vezes abandonadas pelo poder público, as periferias, com seu senso de comunidade e coletividade, são também lugares onde fervilham soluções.

Alguns exemplos de iniciativas de impacto ambiental liderados por mulheres são a Patrulhinha da Limpeza em Rio das Pedras, criada, bancada financeiramente e liderada por Cleusa Florença, e Favela Orgânica de Regina Tchelly.

A primeira foi divulgada ainda em 2013, pela O Globo. Moradora da favela por décadas, mesmo na época trabalhando em salão e barraca de pastel, Cleusa investia 240 reais por mês para que crianças fiscalizassem os vizinhos a não jogar lixo na rua, com apito e uniformes. A diminuição de lixo nas ruas reduz o risco de doenças e promove a educação ambiental. A eficiência da ação foi reconhecida pela Comlurb e Secretarias Municipais de Educação e Meio Ambiente.

Já a Favela Orgânica de Regina ensinou a cozinhar sem desperdício de alimentos, com aulas de culinária e ensinando sobre as pequenas hortas nos quintais dos moradores. O objetivo é cuidar do meio ambiente e mudar a relação com a alimentação, sem gastar mais.

Essas iniciativas mostram como as mulheres periféricas possuem visão do que precisa ser melhorado e, com apoio e escuta de parceiros qualificados, suas ideias são parte da solução de enfrentamento à crise climática. Ouvi-las, valorizar suas ações e trocar saberes são caminhos que abrem a elas mais chances de segurança diante dos impactos da mudança climática.

Você sabe quais são as demandas das mulheres periféricas da sua região?

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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