GT de Gênero e Clima lança infográfico com a pergunta “Por que gênero e clima?”

GT de Gênero e Clima lança infográfico com a pergunta “Por que gênero e clima?”

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GT de Gênero e Clima lança infográfico com a pergunta “Por que gênero e clima?”

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes
PUBLICADO EM: 03 de agosto de 2021

Selma Dealdina (CONAQ) e Sineia Wapichana (CIR), além de mulheres envolvidas na produção do infográfico, participaram do lançamento e resgataram a importância do material

Na sexta-feira, 30/07, o Grupo de Trabalho em Gênero do Observatório do Clima lançou o infográfico que explica visualmente a importância de entrelaçar gênero e clima.

A proposta foi refletir em torno da pergunta “por que gênero e clima?” e organizar esses temas de forma simples e objetiva. O GT ressalta que não se trata de um trabalho acabado, e sim, um ponto de partida.

O lançamento aconteceu em transmissão ao vivo pelo Youtube do Observatório do Clima, com apresentação da consultora Ana Cristina Nobre, que liderou a produção do infográfico, e a participação da artista Valentina Fraiz e da designer Julia Lima. As convidadas Selma Dealdina (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e Sineia Wapichana (Conselho Indígena de Roraima) teceram comentários sobre o material, e a condução foi feita por Nara Perobelli.

Produção do infográfico “Por que gênero e clima?”

O material é resultado da construção coletiva do GT, feito a partir de discussões em círculos desde 2020, como apontou Ana Cristina. O objetivo dele é tornar didática a tarefa complexa de debater a crise climática a partir das lentes de gênero. Nesse sentido, “gênero” é o chamariz para um olhar interseccional, que inclui discussões de raça, classe e demais pautas necessárias para diagnosticar problemas e fomentar soluções inovadoras. Dessa forma, também se evitam as narrativas universais, que invisibilizam outras mulheres.

Envolvida no processo criativo, a artista venezuelana Valentina explica de onde partiu a ideia visual do infográfico, uma vez que existem poucas referências em imagem que reúnam os conceitos de gênero e clima. “Ano passado, enquanto eu ouvia as defensoras ambientais Sarah (Marques) e Veridiana (Vieira), elas deixaram nítido que defender o território passa pelo corpo. O corpo é território de luta, e essa questão ficou muito marcada para mim.

A importância de articular gênero e clima em um infográfico

Selma Dealdina destacou: “Sem discutir gênero, raça, classe e clima, a nossa discussão é pela metade.” Ela ressaltou como as organizações precisam racializar as suas discussões e de falarmos das diferentes mulheres que precisam ser levadas em consideração quando falamos de clima. “Somos todas mulheres, mas temos as mulheres pescadoras, quilombolas, marisqueiras, indígenas, negras.

Selma também chamou a atenção em como são as mulheres, em povos tradicionais, as guardiãs de conhecimentos ancestrais, guardando sementes e cuidando dos territórios.

Já Sineia Wapichana apontou a importância do material em desenho. “Aqui em Roraima, trabalhamos muito com o desenho, não só para que as pessoas possam ter melhor entendimento, mas a gente tem uma questão entre os povos indígenas, que às vezes não sabem ler e escrever (em português), mas contam como está sendo o enfrentamento às mudanças climáticas,” declarou.

Sineia também lembrou que existem pessoas que não sabem o que significa mudança climática, mas que já vivenciam essas ações, seja na cidade ou na floresta. O material pode auxiliar, portanto, nesse momento de nomear e identificar realidades existentes.

Assista abaixo o bate-papo de lançamento:

Navegue pelo infográfico

No hotsite do GT de Gênero e Clima do Observatório do Clima é possível ver o infográfico na íntegra e também baixá-lo em PDF para impressão. Assim, o material pode ser também uma ferramenta de educação e multiplicação do tema.

Tanto no hotsite, quanto em sua versão em PDF, é possível encontrar as referências utilizadas. O GT reforça que contribuições são bem-vindas e podem ser enviadas ao email generoeclima@oc.eco.br 

Clique aqui e veja o infográfico

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Planos Setoriais: Energia

Esta nota técnica analisa a relação entre energia, gênero e mudança do clima no âmbito do Plano Decenal de Energia 2030. Este documento não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.

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Onde estão as mulheres nos espaços federais de governança climática?

Onde estão as mulheres nos espaços federais de governança climática?

#Nota

Onde estão as mulheres nos espaços federais de governança climática?

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes
PUBLICADO EM: 24 de junho de 2021

Relatório que analisa a presença e poder de deliberação de mulheres nos debates climáticos mostra que há pouca participação feminina nas decisões sobre políticas climáticas

Talvez você já suspeitasse que os espaços de governança de mudança climática são predominantemente ocupados por homens. Mas entender onde estão e como participam as mulheres nesses espaços institucionais de discussão da agenda ambiental e política nos ajuda a entender onde precisamos melhorar.

 

Uma fotografia dos espaços institucionais

Elaborado por Lígia Amoroso Galbiati e Júlia Campos, para o GT de Gênero e Clima do Observatório do Clima, o relatório “Equidade de gênero nos espaços de governança climática” analisou os papéis desempenhados por mulheres em seis espaços operantes na pauta da mudança climática.

O estudo se debruçou sobre os dados públicos dos seguintes espaços:

  • a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC) e Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM): dedicados à articulação governamental;
  • o Grupo Executivo sobre Mudança do Clima (GEx) e GT Adaptação: voltados para a elaboração de políticas de clima;
  • a Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC): focados na discussão e no assessoramento técnico e científico.

(Vale ressaltar que, com a transparência de dados comprometida no governo atual, a checagem de registros se tornou também um desafio.)

Os dados de participação por gênero evidenciam que há pouca participação feminina nas decisões sobre políticas climáticas. Entre os espaços analisados, o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) apresentou maior discrepância, com 9% de convidadas mulheres e 12% de representantes com poder decisório. Logo em seguida, vem o Grupo Executivo (GEx), com uma diferença de 87% entre a participação de mulheres e homens na condição de representantes.

Eu participei de reuniões do Fórum Brasileiro de Mudança Climática e da Estratégia Nacional de REDD+ e a percepção de quem organizava era que a quantidade de mulheres já significava representação. Mas muitas vezes elas estavam acompanhando quem decidia, ou elas iam só para anotar e reportar para suas instituições,” ilustra Joci Aguiar, do Observatório do Clima.

 

Analisando além dos números

De acordo com uma das autoras do relatório, Lígia Galbiati, “existe uma centralização dos discursos de gênero em aspectos relacionados à adaptação, onde se fala bastante da vulnerabilidade das mulheres. A adaptação é posta como algo menos científico, é menos visada na elaboração de metas climáticas, e é onde as mulheres predominam”.

Já quando se fala de redução das emissões de gases do efeito estufa (mitigação), a pesquisadora indica que isso muda de figura. “A mitigação carrega um escopo técnico-científico das ciências físicas e exatas, como climatologia e energia, que são áreas de conhecimento predominantemente masculinos.” Lígia também explica que nessa “divisão invisível” de conhecimentos está aplicada uma perspectiva de gênero também.

Além da presença de homens e mulheres, o estudo detalha que esses espaços são compostos, em sua maioria, por pesquisadores do sudeste do país e com formações em áreas de Ciências Exatas, da Terra e Biológicas. “Essa baixa representatividade regional, aliada a uma pequena variedade de áreas do saber, centraliza o debate sobre mudança climática em questões físicas, sem levar em consideração as questões sociais, igualmente relevantes,” observa Lígia.

 

Como melhorar esses espaços?

Diante desse cenário, o estudo aponta algumas recomendações, como a importância da diversidade humana na resolução de problemas. Ampliar a multidisciplinaridade de conhecimentos e a diversidade dos participantes da governança climática no Brasil é uma forma de garantir que a política climática atenda a realidade de populações em diversos contextos, considerando suas diferentes vulnerabilidades e contribuições para a solução.

A disparidade de gênero é uma questão a ser solucionada, mas traz com ela outras reflexões. É importante considerar as barreiras estruturais e as relações de poder que impedem mulheres e outros grupos marginalizados de participar dos debates e das decisões, tendo suas perspectivas e experiências respeitados nesses espaços institucionais.

Leia o estudo completo aqui.

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Planos Setoriais: Energia

Esta nota técnica analisa a relação entre energia, gênero e mudança do clima no âmbito do Plano Decenal de Energia 2030. Este documento não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.

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A mudança climática pelas lentes das mulheres indígenas

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A mudança climática pelas lentes das mulheres indígenas

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes
PUBLICADO EM: 16 de junho de 2021

Com seus trabalhos de guardiãs de sementes e cuidadoras do roçado, as mulheres indígenas contam como enxergam a gravidade dos efeitos da crise climática

A natureza é a casa dos povos indígenas e de suas tradições, por isso, são defensores ambientais tão ativos. Para manterem seus conhecimentos e modos de vida, eles precisam “ler” os sinais das estações, o curso dos rios, as árvores, o comportamento dos animais. “Tem conhecimentos que só as mulheres indígenas têm, e isso precisa ser respeitado e valorizado“, diz Diaka Shawãdawa, do Acre.

Coletoras e cuidadoras do roçado

Em muitos povos, as mulheres indígenas são as coletoras de sementes e cuidadoras do roçado. Isso pressupõe uma relação estreita com as plantas pois, para elas, todos os seres da mata têm espírito, inclusive os vegetais.

Na prática de povos do Alto Rio Negro, por exemplo, a roça é cuidada pelas mulheres. No documentário “Quentura” é possível observar os cumprimentos que as mulheres nativas fazem às manivas quando chegam à roça. “Elas são gente”, diz uma das mulheres. “Quando não fazemos fogo elas ficam tristes. Se as queimamos de qualquer jeito elas choram”, diz outra.

São as mulheres que coletam frutos, sementes, palhas, cipó. Ao trabalhar com artesanato, com a medicina tradicional, com a plantação na roça, elas estão muito atentas ao ciclo do tempo e às transformações em curso”, conta Sinéia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima.

As mulheres Ikpeng, que coletam para a Casa de Sementes Movimento Mulheres Yarang, também caminham na floresta com cestos e facões, cantando para os espíritos das sementes, e sempre deixam um pouco para os animais, que também são multiplicadores. Elas denominam seu trabalho coletivo como um “trabalho de formiga”, expressão que traduz o significado de “Yarang”. Com o dinheiro da venda de sementes, compram remédios, ferramentas e alimentos.

Lutando contra a degradação ambiental

Além da coleta de sementes, as Ikpeng reflorestam terras que já foram destruídas para virar pasto, sem a ajuda de máquinas. O desmatamento e os incêndios para a agropecuária, a exploração de madeira e o garimpo são os principais responsáveis pela degradação ambiental, mesmo em territórios indígenas demarcados.

Essa destruição, agravadora da mudança climática, desequilibra a “leitura” que essas mulheres fazem da natureza, para seguirem o ritmo e o tempo certo de plantar e colher, por exemplo. Na Amazônia, onde as mudanças de estação são menos delimitadas, elas declaram não saber mais quando é inverno ou verão.

O aumento da temperatura prejudica a biodiversidade, o calendário das chuvas muda, o calor intenso as faz perder plantações. Algumas frutas desapareceram e, atualmente, esses povos precisam comprar alimentos que antes conseguiam da natureza.

Recado para o futuro

Almerinda Tariano, ex-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), conta que existem cerca de 280 variedades de maniva, graças a uma rede de trocas entre as mulheres. São elas que conhecem seus ciclos de cultivo e suas propriedades, num processo contínuo de experimentação. “Com as mudanças do clima essas variedades correm o risco de se perder”, alerta.

Maria Betânia Macuxi declara: “Vamos segurar as mãos uns dos outros para defender a Mãe Natureza. Porque sem ela, ninguém vive.

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Jô Santin e o desejo da terra produtiva | Mulheres que Restauram

Integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Joscimar Marins Santin é a estrela do sexto episódio da Série Mulheres que Restauram por acreditar que é das mãos das mulheres que nasce o sonho da terra produtiva. “As árvores são vida e cada planta que a gente põe na terra a gente tem que colocar na terra com o maior carinho, porque a terra é como uma mãe e gera vida”, comenta Jô.

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Onde estão as mulheres nos espaços federais de governança climática?

A inserção da temática de gênero nas NDCs e os próximos passos dessa discussão

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A inserção da temática de gênero nas NDCs e os próximos passos dessa discussão

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes
PUBLICADO EM: 31 de maio de 2021
Priscilla Santos, Marina Marçal e Marina Piatto trazem um panorama de como a temática de gênero foi inserida nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) em 2020 e quais são as perspectivas de discussões com setores diversos da sociedade

Em 2015, durante o Acordo de Paris, os governos dos países signatários se comprometeram com metas nacionais para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, e com o Brasil não foi diferente.  Esse conjunto de compromissos é a NDC, sigla para Contribuições Nacionalmente Determinadas. Já naquele ano, o Observatório do Clima, a partir do SEEG, escreveu uma proposta de NDC antes do governo federal, e conseguiu assim influenciar a primeira versão.

Entre 2015 e 2020, no entanto, foi pedido aos governos federais signatários do Acordo que entregassem uma segunda versão, mais ambiciosa. Quem explica todo esse contexto é Marina Piatto, e segundo ela, o pedido veio após uma análise do IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, organização científica da ONU que propõe medidas para que o aumento da temperatura global não ultrapasse 1,5ºC. O IPCC analisou NDCs de diversos países e as considerou insuficientes para se chegar ao objetivo de 1,5ºC. O prazo para a entrega da segunda versão era dezembro de 2020.

 

 

Construindo a nova versão da NDC brasileira

A rede do Observatório do Clima novamente trabalhou para influenciar a segunda versão, dessa vez também com um olhar voltado para gênero, a partir do GT de Gênero e Clima. Priscilla Santos, advogada especialista em direito ambiental e urbanístico participante dessa construção, contou que, além de pensar como inserir gênero, o objetivo era partir de uma abordagem interseccional e transversal, isto é, considerando os marcadores que diferenciam as populações vulnerabilizadas e perpassando os componentes da NDC (mitigação, adaptação e implementação).

Das 9 propostas feitas pelo GT de Gênero e Clima, 6 entraram nessa NDC do Observatório do Clima:

  • No preâmbulo: sinergia com Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Apesar de haver um ODS específico para gênero, a sugestão foi olhar para os outros Objetivos a partir de uma abordagem transversal de gênero, ligando-os a essa agenda;
  • Mitigação: proposta, de uma maneira geral, de que a NDC fizesse a revisão dos planos setoriais, que são a base para os planos de mitigação por setor. Além disso, essa revisão deveria levar em conta critérios responsivos à gênero e raça, e medidas de intervenção por setor, com enfoque em mecanismos de financiamentos;
  • Adaptação: sugestão de fazer referência à revisão do Plano Nacional de Adaptação (PNA), e também uma revisão que levasse em conta a interseccionalidade. Pedido de indicadores, prazos, já que o PNA está atrasado e pendente de atualização. Houve também a sugestão de incorporar o Plano de Ação de Gênero da ONU;
  • Implementação: mecanismos de financiamento que priorizassem grupos em situação de vulnerabilidade, ajudando a combater desigualdades sociais. Mecanismos de monitoramento, relato e verificação de implementação da NDC, como forma de garantir redução de desigualdades. Além de processos de planejamentos inclusivos e participativos, e movimentos para alavancar e fomentar parcerias com países do sul global.

Infelizmente, dessa vez a NDC apresentada pelo governo federal brasileiro não foi influenciada pela NDC da sociedade civil. Na verdade, ela retrocedeu da primeira versão, de 2015.

Conforme apontou Priscilla, o ideal é não perder de vista as pautas de gênero e clima. Ambas ficam comprometidas com a falta de transparência de instituições governamentais, e com a proibição de organismos de mencionar a palavra “gênero”, por exemplo. “É importante pautar isso para influenciar outras esferas e atores no debate, não só pensar nesse governo de agora,” ela aponta.

 

 

O que vem depois da NDC?

Para ter essa perspectiva maior, Priscilla sugere que saibamos como outros países estão trazendo gênero e abordagens interseccional nas suas NDCs, e como estão avançando. Que aprendamos quem são os atores que pautam esses temas no Brasil e na América Latina. Assim, trabalharemos em conjunto com outros parceiros em torno dessas temáticas, fazendo relações entre realidades e entendendo os impactos da mudança climática para todos.

Segundo Marina Marçal, ainda há muito a ser desenvolvido. “A NDC deveria ser basilar, um documento referencial na constituição de diretrizes e planejamentos para atingir as metas do Acordo de Paris, mas é pouco debatida.” Marina sugere que essa discussão precisa ser feita com toda a sociedade, inclusive com outros setores, como o de energia, indústria, agricultura, financeiro, mostrando ganhos econômicos. “O Brasil tem potencial para ser um país de carbono zero. Olhar os benefícios sociais é importante, mas a linguagem que a gente precisa ter é a dos benefícios econômicos nessa agenda,” completa.

Por último, Priscilla e Rayana Burgos (co-autoras do estudo) nos lembram da necessidade de fortalecer pesquisas. Dados segregados nos ajudam a influenciar políticas setoriais, que vão ser traduzidas em ações práticas.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Planos Setoriais: Energia

Esta nota técnica analisa a relação entre energia, gênero e mudança do clima no âmbito do Plano Decenal de Energia 2030. Este documento não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.

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Equidade de gênero nos espaços de governança climática

#Relatório

Equidade de GÊNERO NoS Espaços de governança climática

ELABORAÇÃO: LÍGIA AMOROSO GALBIATI E JÚLIA CAMPOS.
PUBLICADO EM: 31 de maio de 2021

 

Acesse a íntegra do documento aqui.

SUMÁRIO EXECUTIVO

  • Apesar de consenso no meio científico, a mudança climática continua em disputa no campo político, sendo uma das principais pautas da agenda ambiental internacional.
  • Os efeitos das mudanças do clima afetam as populações de formas diferentes, e o gênero é uma variável importante em um contexto de desigualdades e relações assimétricas de poder.
  • Na década de 90, o Brasil assumiu um papel de liderança e incentivo das discussões internacionais sobre mudança do clima e iniciou o processo de construção da sua política climática.
  • Entre os espaços criados que ainda operam atualmente e são analisados neste relatório, estão:
    o Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC) e Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM): dedicados à articulação governamental;
    o Grupo Executivo sobre Mudança do Clima (GEx) e GT Adaptação: voltados para a elaboração de políticas de clima
    o Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC): focados na discussão e no assessoramento técnico e científico.
  • Este documento avaliou a participação feminina na construção da política climática brasileira. A pesquisa analisou a composição, por gênero, dos participantes dos espaços elencados acima.
  • Pesquisas já apontam que, em alguns países, a participação política de mulheres auxilia na implementação de políticas ambientais efetivas. Apesar disso, relacionar as questões de gênero às políticas climáticas ainda é incipiente no Brasil.
  • A participação masculina predomina em todos os setores avaliados neste documento, com exceção do GT Adaptação.
  • O Plano de Adaptação, elaborado pelo GT Adaptação, é o único documento a apresentar maior sensibilidade às questões de gênero. Tal fato pode ser um reflexo da maior participação feminina nesse espaço específico.
  • A maior presença de mulheres ocorre no setor relativo à adaptação, e não nos espaços de articulação política ou de assessoramento técnico, ligados à mitigação.
  • Essa desigualdade de participação sugere a centralização histórica dos assuntos técnicos e científicos nos homens e das questões sociais e de vulnerabilidade nas mulheres, com consequências negativas para a igualdade de gênero e, possivelmente, para as políticas climáticas.
  • Os dados de participação por gênero evidenciam que as mulheres atuam principalmente como convidadas e não representantes, ou seja, sem poder decisório. Na prática, portanto, há pouca participação feminina nas decisões sobre a política climática.
  • A composição da Rede Clima, um espaço de caráter técnico e de pesquisa, é constituída majoritariamente por pessoas do Sudeste com atuação nas áreas de Ciências Exatas, da Terra e Biológicas. Duas consequências foram observadas: a) a pouca representatividade regional; b) a centralização das questões físicas e bióticas no debate sobre a mudança climática, em detrimento das questões sociais, igualmente relevantes.
  • É necessário aumentar a diversidade dos participantes da governança climática no Brasil. Esta é uma forma de garantir que a política climática seja mais efetiva e atenta à realidade da população (considerando suas diferentes vulnerabilidades e contribuições).

2. INTRODUÇÃO

Com o aumento da emissão de gases de efeito estufa a partir da Revolução Industrial, o sistema climático do planeta passa por alterações, e seus efeitos já podem ser observados. Apesar do consenso científico acerca da influência do homem no clima, as políticas e ações relativas à mudança climática permanecem em disputa e se tornaram uma das principais pautas da agenda ambiental internacional.

É importante destacar que a mudança climática atinge as populações de forma diferente, a depender de vários fatores: raça, gênero, classe social, idade, localização geográfica, etnia etc. Alguns grupos se beneficiam da exploração ambiental enquanto outros sofrem com as consequências negativas da degradação do meio ambiente. Por isso, abordar a problemática ambiental por meio da ótica
das relações de poder e desigualdades sociais é imprescindível para encontrar soluções adequadas e efetivas1.

Homens e mulheres, por exemplo, se relacionam de maneiras distintas com o ambiente: utilizam os recursos naturais de acordo com os diferentes papéis que exercem, as necessidades e responsabilidades que possuem, e também as relações de poder que permeiam nossa sociedade2. Devido à vulnerabilidade social, as mulheres estão mais expostas aos efeitos negativos das mudanças climáticas3.

Estudos indicam que as emissões de gases de efeito estufa por habitante são menores em países que possuem mulheres com maior status político. Além disso, nações com maior proporção de mulheres em cargos parlamentares têm mais chance de ratificar acordos ambientais4. Isso reitera a importância da participação política das mulheres nas questões relativas ao ambiente e a importância de considerar a categoria de gênero no âmbito das mudanças climáticas.

CENÁRIO INTERNACIONAL

A partir de 1988, a questão climática passou a ser entendida na Assembléia Geral da ONU como uma preocupação comum de toda a humanidade e com caráter intergovernamental. Em 1992, no evento ECO-92 no Rio de Janeiro, foi adotada a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), ratificada por 195 países. Seu objetivo é alcançar

a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável. (BRASIL, p. 6, 2010)

As disputas entre os países em relação ao clima, baseadas especialmente em seus interesses econômicos, resultaram na diferença da partilha de responsabilidades entre países dos blocos do Norte e do Sul. O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1997 na 3ª Conferência das Partes (COP, reunião anual dos países membros da UNFCCC), mostrou essa assimetria: apesar de instituir metas vinculantes (ou seja, legalmente mandatórias para os países signatários), os países considerados “em desenvolvimento” não teriam a obrigação de reduzir suas emissões.

Prevaleceu então o entendimento de responsabilidades históricas que deveriam, portanto, ser diferenciadas, justificando que esses países não precisariam cumprir as metas para não comprometerem seu desenvolvimento econômico.

O Brasil, como representante do bloco dos países ditos emergentes, teve um papel importante ao pautar e defender esse ponto de vista. Contudo, mesmo sem obrigações quantificadas de redução de emissões, ele começou a estruturar sua política climática.

equidade de genero

Figura 1. Linha do tempo com os principais aspectos da agenda climática global e da política climática brasileira citadas e/ou avaliadas neste relatório. A pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC), que não é tratada neste relatório, foi criada para contribuir com o Acordo de Paris, ambos em 2015.

Em 1999, foram criadas a Coordenação de Mudança do Clima no Ministério de Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI) e a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC). Esta comissão, co-presidida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pela MCTI, é composta exclusivamente por ministérios. Seu objetivo é “articular a ação governamental no que diz respeito às COPs, validar projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e coordenar e integrar as ações climáticas de diferentes ministérios”.

Em 2000, um Decreto Presidencial instituiu o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), sob presidência do Presidente da República e coordenação de um Secretário por ele/ela nomeado, com objetivo de “produzir orientações estratégicas, mobilizar a sociedade e monitorar a implementação da política”. E, em 2007, foi a vez da Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA), criada pela Portaria do MCTI nº 728/2007. Seu objetivo é fornecer assessoria técnica e científica sobre mudanças do clima, incluindo a produção de informações para formulação de políticas públicas.

Em novembro de 2007, o Decreto nº 6.263 criou o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). Ele seria encarregado de elaborar dois importantes documentos: o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (lançado em dezembro de 2008) e a Política Nacional sobre Mudança do Clima (instituída em 2009 por meio da Lei nº 12.187/2009).

O CIM foi extinto no ano de 2019 (Decreto nº 9.759), mas recriado no mesmo ano (Decreto nº 10.145), com algumas mudanças relacionadas às suas atribuições e ministérios integrantes. A responsabilidade pela elaboração, implementação, monitoramento e avaliação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima ficou a cargo do Grupo Executivo sobre Mudança do Clima (GEx), criado em 2007 pelo mesmo decreto que instituiu o CIM (Decreto nº 6.263).

Em 2012, foi proposta a criação do Grupo de Trabalho de Adaptação (GT Adaptação), por iniciativa do GEx e sob coordenação conjunta do MMA e MCTI. A primeira reunião ocorreu em fevereiro de 2013. O objetivo principal do GT é estabelecer e estruturar medidas governamentais de adaptação à mudança do clima. Além disso, o GT também realiza debates técnicos com os atores relevantes nos diversos temas e setores vinculados à adaptação. Sua atuação resultou no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), instituído em 10 de maio de 2016 pela Portaria nº 150, com o objetivo de “promover a redução da vulnerabilidade nacional à mudança do clima e realizar uma gestão de risco associada a esse fenômeno” (BRASIL, p. 131, 2016).

De acordo com avaliação realizada por Nathalie Unterstell e colaboradores no primeiro capítulo da Nota Técnica “A Política Nacional de Mudança do Clima em 2020: estado de metas, mercados e governança assumidos na Lei 12.187/20” (SANTOS, 2021):

Além dos instrumentos institucionais previstos no art. 7º da lei, foram gradualmente criados espaços de decisão, formulação e implementação da PNMC para a execução das diretrizes previstas por ela. Chegou-se a um número de 34 colegiados relevantes, sendo 5 deles dispostos na Lei 12.187/2009 como dito acima e outros 17 criados entre 2009 e 2019 (SANTOS, 2021, p. 12).

A figura 2 traz uma representação dos espaços da governança climática federal que foram avaliados neste estudo, agregados por função básica: a) articular os ministérios e governos, b) elaborar os planos nacionais, c) discutir com sociedade civil e assessorar de modo técnico e científico. A figura 3, por sua vez, aborda as especificidades de cada espaço. Importante destacar que neste trabalho não avaliamos se estes espaços de governança estão em funcionamento atualmente. Para essas informações adicionais, recomenda-se a Nota Técnica citada anteriormente (SANTOS, 2021).

governança climática federal

Figura 2. Estrutura da Governança Climática Federal. Fonte: Elaboração das autoras a partir de ICS, 2017.

governança climática federal
governança climática federal

Figura 3. Características de cada espaço da governança climática federal. Fonte: Elaboração das autoras a partir de ICS, 2017.

GÊNERO E CLIMA

A questão de gênero emerge nas discussões internacionais sobre mudança do clima desde a década de 1990. Porém, apenas em 2017 a UNFCCC lançou o Plano de Ação de Gênero para apoiar os países a incorporar essa questão em suas políticas climáticas. Parte desse apoio consiste também em avaliar as diferentes necessidades entre homens e mulheres e incentivar o aumento da participação de mulheres na tomada de decisões.

No Brasil, no entanto, essa discussão ainda é incipiente. De acordo com análise feita sobre as políticas climáticas federais em nota técnica anterior5, o Plano Nacional e a Política Nacional de Mudança do Clima, do final dos anos 2000, não tratam dessa temática. Já o Plano Nacional de Adaptação, de 2016, passou a incorporar questões sociais e de gênero, acompanhando as discussões internacionais. Contudo, a abordagem dos temas esteve centrada apenas na vulnerabilidade das mulheres e de outros grupos sociais, aproveitando pouco o potencial desses grupos em propor soluções para os problemas do clima.

Este relatório técnico apresenta agora uma avaliação quantitativa da
participação de homens e mulheres nas reuniões realizadas pelo CIM, GEx, CIMGC, FBMC, Rede Clima e GT Adaptação. O objetivo é verificar se a estrutura da governança climática federal apresenta uma participação equitativa ou próxima da equidade entre os gêneros em seus órgãos e colegiados.

3. MÉTODO

Para avaliar os percentuais de gênero nas estruturas federais de governança climática, foram elencados os espaços definidos pela Política Nacional sobre Mudança do Clima em seu artigo 7º, além do Grupo de Trabalho de Adaptação (GT Adaptação), vinculado ao Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima (PNA).

Art. 7o Os instrumentos institucionais para a atuação da Política Nacional de Mudança do Clima incluem:
I – o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima; (CIM)
II – a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima; (CIMGC)
III – o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima; (FBMC)
IV – a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais – Rede Clima;
V – a Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia (BRASIL, 2009, p. 3. As siglas foram adicionadas pelas autoras)

Dos órgãos institucionais acima citados, todos foram avaliados (CIM, CIMGC, FBMC e Rede Clima), exceto a Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia (órgão colegiado do MCTI), extinta pelo Decreto 9.759 de 11 de abril de 2019. Para além dessa lista, também foram avaliados o Grupo Executivo (GEx), ligado ao CIM, e o GT Adaptação.

As atas com registro de presença das reuniões do CIM, GEx, CIMGC e GT Adaptação foram solicitadas pela Lei de Acesso à Informação nos dias 23/11/2020 e 15/12/2020 e recebidas entre os dias 04/12/2020 e 07/01/2021. Pediu-se acesso às atas de todas as reuniões, desde a criação dos órgãos até o momento da solicitação. As informações referentes ao FBMC6 e à Rede Clima7 foram obtidas diretamente em seus websites oficiais.

Desta forma, a partir das listas de membros presentes nas reuniões ou que compõem os organismos e colegiados, foi possível definir a quantidade de homens e de mulheres atuantes, bem como o percentual de cada gênero.

metodo de avaliação

Figura 4. Método de avaliação dos órgãos e colegiados e número de reuniões avaliadas por órgão/colegiado, nos casos em que se aplica.

Em relação ao CIM, foram avaliadas apenas duas reuniões, uma ordinária (21/10/2020) e uma extraordinária (08/12/2020), pois o colegiado, criado em 2007, foi extinto com a publicação do Decreto nº 9.759, de 2019, e recriado pelo Decreto nº 10.145, de 2019. A Casa Civil, responsável pelo registro das atas, em resposta oficial obtida pela Lei de Acesso à Informação, afirmou que “foram efetuadas buscas no arquivo deste órgão, não tendo sido localizadas atas e listas de presença de reuniões do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima ocorridas entre 2007 e 2019”.

No caso do GEx, foram analisadas 32 reuniões no período entre 18/04/2011 e 21/02/2018. Não foi possível analisar a reunião realizada no dia 09/11/2012, pois a ata não está disponível em sua totalidade.

Entre 29/06/2015 e 04/06/2019, 83 reuniões realizadas no âmbito da CIMGC foram avaliadas. Não houve registro de atas durante o ano de 2016.

O GT Adaptação contou com 33 reuniões avaliadas, que ocorreram entre 01/02/2013 e 15/03/2016.

Como mostra a Figura 3, o FBMC estrutura suas atividades em dez Câmaras Temáticas. Portanto, o percentual por gênero foi calculado para cada Câmara Temática. A pesquisa analisou os nomes de participantes conforme registro disponibilizado em website. Não foi avaliada a Câmara Temática de Defesa e Segurança por não haver documentos ou registro de reuniões.

Da Rede Clima, foram avaliados os/as coordenadores/as das 16 sub-redes temáticas (Figura 3). Cada sub-rede possui dois coordenadores, exceto a de Divulgação Científica, que não apresenta registro de coordenação. A pesquisa levou em conta três elementos em relação às pessoas que desempenham a função: o gênero, as regiões de origem e a área temática de atuação, segundo a tabela de Área de Conhecimento/Avaliação da Fundação CAPES8 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Os resultados foram dispostos em gráficos que mostram o percentual de participação por ano, e não se referem ao número de indivíduos. Isso significa que um indivíduo pode ter participado de mais de uma reunião ao longo do ano. Os dados também foram dispostos em gráficos de percentual por reunião e, neste caso, o número total se refere ao número de indivíduos.

Nas reuniões onde houve registro em ata sobre a condição do participante (representante com poder decisório ou apenas convidado), verificou-se a proporção de gênero entre representantes e convidados. Nestes casos, as análises também foram realizadas por número de participações, e não por indivíduos.

4. RESULTADOS

Os resultados serão apresentados separadamente para cada espaço de governança, através de gráficos que mostram o percentual de participação por ano, e não se referem ao número de indivíduos. Isso significa que um indivíduo pode ter participado de mais de uma reunião ao longo do ano. Os dados também foram dispostos em gráficos de percentual por reunião e, neste caso, o número total se refere ao número de indivíduos.

Nas reuniões onde houve registro em ata sobre a condição do participante (representante com poder decisório ou apenas convidado), verificou-se a proporção de gênero entre representantes e convidados. Nestes casos, as análises também foram realizadas por número de participações, e não por indivíduos.

COMITÊ INTERMINISTERIAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA (CIM)

Uma vez que não foi possível ter acesso às atas anteriores ao ano de 2019, a pesquisa avaliou apenas as duas reuniões de 2020 nas quais havia registro dos participantes. Na primeira reunião (20 de outubro) havia 29 participantes; na segunda, 30 participantes. Em ambas, participaram apenas 3 mulheres. Portanto, em ambos os encontros, o percentual de participação de mulheres foi de aproximadamente 10% (Figura 5).

metodo de avaliação

Figura 5. Gráfico indicando participação percentual por gênero nas duas reuniões avaliadas no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), desde sua reformulação em 2019. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 69).

Ao avaliar a participação por gênero dos participantes com poder decisório, constatou-se a presença de apenas 2 mulheres de um total de 16 representantes, ou seja, um percentual de cerca de 12%. Entre os convidados, apenas 4 de 43 eram mulheres, um percentual de aproximadamente 9% (Figura 6). Percebe-se uma baixa representatividade feminina no CIM, tanto entre os membros representantes (com poder decisório) quanto entre os convidados (sem poder de voto).

metodo de avaliação

Figura 6. Gráfico indicando participação percentual por gênero como membro convidado ou representante nas duas reuniões avaliadas no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), desde sua reformulação em 2019. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 69).

GRUPO EXECUTIVO (GEx)

A avaliação das 32 reuniões do GEx ocorridas entre 2011 e 2018 observou um total de 841 participações, sendo 315 femininas e 526 masculinas – uma diferença percentual de aproximadamente 25%. No recorte por ano, houve predominância de participações masculinas nas reuniões: uma média de aproximadamente 60% de participação de homens para 40% de participação de mulheres (n=7 – total de anos; Figura 7). A exceção foi o ano de 2015, quando houve maior participação de mulheres. O ano com maior discrepância entre os gêneros foi o de 2013, com 9 reuniões, nas quais houve 143 participações masculinas e 73 femininas. Isso representa uma participação 30% maior de homens. Em contrapartida, 2015 foi o ano que apresentou menor discrepância: com apenas uma reunião, 16 participantes eram mulheres e 13 eram homens, uma diferença de 10%.

metodo de avaliação

Figura 7. Gráfico indicando participação percentual por gênero nas reuniões avaliadas no âmbito do Grupo Executivo (GEx), agrupadas por ano (2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2018). O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 841).

Em média, houve 26 participantes por reunião, sendo 16 homens e 10 mulheres, ou seja, um percentual médio de 63% de homens e 37% de mulheres por encontro (n=32 – total de reuniões). Ao avaliar cada reunião individualmente, verificou-se uma maioria feminina apenas na 28ª reunião, de 14 de julho de 2015 (Figura 8). Em todas as outras, o gênero masculino foi predominante. A 19ª reunião, de 02 de abril de 2013, apresentou a maior discrepância entre homens e mulheres, com 18 homens e 5 mulheres, uma diferença em torno de 56%. A reunião com a menor discrepância foi a 14ª, de 03 de outubro de 2012, com 14 homens e 13 mulheres, resultando em uma diferença de cerca de 4%.

metodo de avaliação

Figura 8. Gráfico indicando percentual de participantes por gênero nas 32 reuniões avaliadas no âmbito do Grupo Executivo (GEx) entre os anos de 2011 e 2018, com exceção da 15ª reunião, por ausência de registro (n = 841).

Apenas em sete reuniões houve registro em ata diferenciando os membros entre representantes (ou seja, com poder de voto) e convidados. Foram elas: a 17ª, 18ª, 19ª, 20ª, 22ª, 23ª e 25ª. Ao avaliar a diferença de gênero entre os membros com esses dois estatutos diferenciados, foi possível verificar apenas 3 participações de mulheres na condição de representantes, contra 43 participações de homens. A diferença, neste caso, é considerável, aproximadamente 87%. Quando a análise se refere à participação do membro enquanto convidado, a diferença entre participações femininas e masculinas cai para cerca de 10% (Figura 9).

metodo de avaliação

Figura 9. Gráfico indicando participação percentual por gênero como membro convidado ou representante em sete reuniões avaliadas no âmbito do Grupo Executivo (GEx), nas quais houve registro acerca do tipo de participação dos membros. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 170).

COMISSÃO INTERMINISTERIAL SOBRE MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA (CIMGC)

Nas 83 reuniões do CIMGC avaliadas entre 2005 e 2019, houve 810 participações masculinas e 439 femininas, uma diferença de aproximadamente 30%. A participação masculina foi maior que a feminina em todos os anos analisados, com uma média de 65% de participação masculina contra 35% de participação feminina (n=14 – total de anos). O ano de 2005 apresentou a maior discrepância entre gêneros: 56 participações masculinas contra 12 femininas em sete reuniões, uma diferença de cerca de 65%. Em contrapartida, 2015 foi o ano com o menor percentual de diferença, próximo de 2%, sendo 47 participações masculinas e 45 femininas em seis reuniões (Figura 10).

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Figura 10. Gráfico indicando participação percentual por gênero nas reuniões avaliadas no âmbito da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC), agrupadas por ano (2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017, 2018 e 2019). O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 1249).

Ao avaliar as reuniões individualmente, verificou-se uma média de 15 participantes por encontro, sendo cerca de 10 homens e 5 mulheres, ou seja, cerca de 65% de homens e 35% de mulheres (n=83 – total de reuniões). Das 83 reuniões, sete apresentaram número de mulheres superior ao número de homens, sendo elas: a 37ª, 73ª, 74ª, 85ª, 99ª, 107ª e 108ª. Em todas as outras, o gênero masculino foi predominante. A reunião de número 61, ocorrida em 18 de março de 2011, apresentou maior discrepância entre os gêneros: 6 homens e nenhuma mulher. Por outro lado, as reuniões 82ª, de 26 de setembro de 2014, 83ª, de 25 de novembro de 2014, e 109ª, de 04 de fevereiro de 2019, apresentaram equidade de gênero, com oito, três e quatro membros de cada gênero, respectivamente (Figura 11).

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Figura 11. Gráfico indicando percentual de participantes por gênero nas 83 reuniões avaliadas no âmbito da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC) entre os anos de 2005 e 2019, com exceção do ano de 2016 por ausência de registro (n = 1249).

Por fim, para compreender a relação de gênero entre membros representantes, ou seja, com poder decisório, e membros convidados, foram avaliadas 72 reuniões em que houve registro dessa diferenciação. Dentre as 72 reuniões, houve 135 participações femininas na condição de representantes contra 335 participações masculinas, uma diferença aproximada de 42%. No caso de participação enquanto membro convidado, os homens ainda são maioria, embora com uma diferença menor, em torno de 17% (Figura 12).

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Figura 12. Gráfico indicando participação percentual por gênero como membro convidado ou representante em 72 reuniões realizadas no âmbito da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC), nas quais houve registro acerca do tipo de participação dos membros. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 1144).

FÓRUM BRASILEIRO DE MUDANÇA DO CLIMA (FBMC)

As autoras entraram em contato com a organização do FBMC para obter os dados referentes às participações nas reuniões e, assim, verificar o percentual de homens e mulheres. A organização forneceu a seguinte resposta:

A participação nas CTs é pública e não pedimos qualquer identificação dos participantes. Nem de gênero, nem de setores econômicos, podendo, inclusive, ser anônima. Caso haja necessidade específica na informação, ela poderá ser extraída pela parte interessada em nossos links abaixo. Quanto às representações formais do FBMC, na coordenação, comissões e conselhos instituídos pelo Governo Federal, atualmente contamos com a participação voluntária, não remunerada, de 3 mulheres e 4 homens.

Os links aos quais a mensagem se refere são de grupos do aplicativo Telegram, cujo acesso é livre. Segundo o estudo de Unterstell (2017), o FBMC foi avaliado como um órgão ativo e representativo. No entanto, não foram encontrados registros atuais de reuniões, exceto transmissões online no Youtube e Facebook, e algumas reuniões realizadas no ano de 2018 no âmbito das Câmaras Temáticas (CTs). Por esse motivo, o percentual de gênero nas CTs foi avaliado de acordo com o registro dos nomes dos participantes disponibilizados no website do Fórum.  

O resultado da pesquisa mostrou que, dentre os 313 participantes das nove Câmaras Temáticas avaliadas, aproximadamente 58% eram homens e 42% mulheres. Ao considerar as nove Câmaras Temáticas que registraram os participantes das reuniões, apenas a CT 10 (Adaptação, Gestão de Risco e Resiliência) apresentou um percentual superior de mulheres. Nas demais, a predominância é masculina. 

Em média, cada Câmara Temática contou com cerca de 34 participantes, sendo aproximadamente 20 homens e 14 mulheres, uma diferença próxima de 12%. A CT 9 (Ciência, Tecnologia e Inovação) apresentou menor discrepância entre gêneros: 18 homens e 16 mulheres, uma diferença aproximada de 6%. O espaço mais discrepante foi a CT 2 (Energia), com 14 homens e 9 mulheres, o que representa quase 22% de diferença (Figura 13).

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Figura 13. Gráfico indicando percentual de participantes por gênero nas Câmaras Temáticas do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), com exceção da Câmara Temática 7 – Defesa e Segurança, por ausência de registro. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 313).

REDE BRASILEIRA DE PESQUISAS SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS (REDE CLIMA)

Em relação à Rede CLIMA, foram avaliados os pesquisadores coordenadores das sub-redes temáticas. Destaca-se que a sub-rede Divulgação científica não apresenta coordenadores. Com um total de 29 pesquisadores coordenadores de quinze sub-redes, observou-se que cerca de 72% são homens e 28% mulheres (Figura 14). As 8 mulheres fazem parte das sub-redes de Biodiversidade e Ecossistemas, Desastres Naturais (única rede coordenada por duas mulheres), Oceanos, Políticas Públicas, Saúde, Usos da Terra e Zonas Costeiras.

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Figura 14. Gráfico indicando o percentual por gênero de pesquisadores coordenadores das sub-redes na Rede CLIMA. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n= 29).

Outra dimensão importante avaliada foi a região de origem dos pesquisadores, bem como as grandes áreas de conhecimento que eles integram. Os dados apontam a predominância de pesquisadores da região Sudeste (Figura 15a), representados por EMBRAPA – RJ, UFRJ – RJ, UERJ – RJ, Fiocruz – RJ, UFMG – MG, CEMADEN – SP, USP – SP e INPE – SP. Além disso, a maioria dos pesquisadores pertence às áreas de Ciências Exatas e da Terra e de Ciências Biológicas (Figura 15b). Isso sugere a centralização das discussões sobre mudanças climáticas nos seus aspectos físicos e bióticos, em detrimento dos aspectos humanos e sociais. Dentro da grande área de Ciências Sociais Aplicadas, a área de atuação dos pesquisadores concentra-se nas disciplinas de Economia e Demografia. Há apenas uma pesquisadora da área de Ciências Humanas, com atuação em Ciência Política.

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Figura 15. a) Tabela indicando a região geográfica brasileira de origem dos pesquisadores coordenadores das sub-redes temáticas da Rede CLIMA (n=29); b) Tabela indicando a Área de Conhecimento de atuação dos pesquisadores coordenadores das sub-redes temáticas da Rede CLIMA (n=29).

GRUPO DE TRABALHO SOBRE ADAPTAÇÃO À MUDANÇA DO CLIMA (GT Adaptação)

No caso do GT Adaptação, responsável pela formulação do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima (2016), foram avaliadas 33 reuniões ocorridas entre 2013 e 2016. Durante esses encontros, houve um total de 623 participações, sendo 353 femininas e 270 masculinas, ou seja, uma diferença de 13% a mais para as mulheres. Com exceção do ano de 2016, a participação feminina nas reuniões suplantou a masculina, com uma média de 55% de participação de mulheres e 45% de homens (n=4 – total de anos). O ano de 2014 apresentou maior discrepância entre gêneros, revelando uma diferença de cerca de 20% a mais para o gênero feminino. Já o ano 2016 apresentou a menor diferença entre os gêneros, com uma participação masculina por volta de 2% maior que a feminina (Figura 16).

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Figura 16. Gráfico indicando participação percentual por gênero nas reuniões avaliadas no âmbito do Grupo de Trabalho de Adaptação (GT Adaptação), agrupadas por ano (2013, 2014, 2015 e 2016). O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 623).

Constata-se uma mudança no ano de 2016, com uma maior participação total de homens. Isso se deve ao fato de a 27ª reunião ter apresentado 9 homens e 6 mulheres, o que, em um universo de apenas três reuniões neste ano, levou à suplantação de homens no número total. Ressalta-se que 2016 foi o ano de lançamento do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA). Assim, o fechamento do PNA ocorreu na 29ª reunião do GT, em março de 2016.

Na avaliação das reuniões de forma individual, a média foi de 22 participantes por reunião, sendo 10 homens e 12 mulheres, uma diferença de aproximadamente 12% (n=28). Quatro reuniões apresentaram equidade de gênero: a 16ª, 24ª, 25ª e 28ª. Quatro reuniões apresentaram maior número de homens do que de mulheres: a 1ª, 12ª, 19ª, 23ª e 27ª. Em todas as outras, o percentual de mulheres foi maior do que o de homens. A 5ª reunião apresentou a maior discrepância entre gêneros, com 7 homens e 20 mulheres, uma diferença de cerca de 48% (Figura 17). Como não houve registro em ata diferenciando os membros entre convidados e representantes, não foi possível realizar uma avaliação com esse recorte.

metodo de avaliação

Figura 17. Gráfico indicando percentual de participantes por gênero nas 28 reuniões avaliadas no âmbito do Grupo de Trabalho de Adaptação (GT Adaptação) entre os anos de 2013 e 2016 (n = 623).

DISCUSSÃO

A partir dos dados levantados, percebe-se a predominância masculina nos espaços de governança climática em nível federal. A exceção é o GT Adaptação, responsável pela formulação do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA).

É interessante notar que, conforme já discutido em nota técnica anterior, há uma clara diferenciação em relação às questões de gênero entre o Plano Nacional sobre Mudança do Clima e o Plano Nacional de Adaptação. Embora não se possa estabelecer uma relação direta de causalidade, uma vez que diversos fatores estão envolvidos na construção das políticas climáticas, o fato de o GT Adaptação ser o único espaço com maior participação feminina pode ter contribuído para a construção de um Plano mais sensível às questões de gênero.

A problemática da mudança do clima é geralmente tratada em duas esferas: a mitigação e a adaptação. As definições desses termos, de acordo com a plataforma AdaptaClima do Ministério do Meio Ambiente, é a seguinte:

A mitigação refere-se à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) para evitar ou reduzir a incidência da mudança do clima; enquanto a adaptação busca reduzir seus efeitos danosos e explorar possíveis oportunidades. […] Enquanto ações de mitigação atuam no sentido de reduzir o risco climático pela redução do perigo (no caso, redução de emissões de GEE que reduz a probabilidade de ocorrência de evento climático extremo), as ações de adaptação têm a possibilidade de influenciar o risco por meio da redução da vulnerabilidade e/ou exposição dos sistemas (ADAPTACLIMA, 2021).

Ao analisar essa diferença sob uma perspectiva de gênero, vê-se uma concentração do debate sobre gênero nos aspectos relacionados à adaptação das mudanças do clima. Isto é, a temática está presente especialmente em questões sobre a “vulnerabilidade das mulheres” na esfera da adaptação, como tratado na nota anterior. Em consequência, os debates sobre mitigação ficam centralizados no escopo técnico-científico, especificamente nas áreas de Ciências Físicas e Exatas, nas quais historicamente há um predomínio masculino. 

Há, portanto, relações desiguais de gênero na dualidade entre adaptação e mitigação. Elas podem ser observadas, por um lado, no predomínio de mulheres na elaboração do Plano Nacional de Adaptação e, por outro, na sua ausência em outras instâncias de elaboração de políticas, como o Plano Nacional de Mudanças do Clima, centrado nos aspectos de mitigação.

Para uma análise mais profunda, deve-se considerar também a participação entre membros convidados e membros representantes nos órgãos e colegiados. Ao avaliar essa participação por gênero, percebe-se uma predominância de homens entre os membros representantes, ou seja, com poder decisório. Isso indica que, mesmo quando existem mulheres nesses espaços, elas ocupam principalmente a posição de convidadas, sem poder de voto. 

Nesse recorte por gênero, outro fator precisa ser levado em conta: o predomínio de representantes de ministérios, especialmente nas instâncias decisórias e de elaboração de políticas (como no caso do Grupo Executivo). Isso significa que, quando as mulheres participam enquanto representantes, elas em geral são membros de ministérios (Anexo 1). Sem uma representatividade relacionada à raça, classe social ou etnia, ficam de fora desses espaços as principais afetadas pelos efeitos negativos da mudança climática.

Por fim, chama atenção o caso da Rede CLIMA, composta por pesquisadores e cientistas, responsáveis pela assessoria técnica relacionada às questões climáticas. Além de uma alta discrepância entre gêneros, com predominância masculina, percebe-se também uma concentração de pesquisadores da região Sudeste do país, bem como das áreas das Ciências Exatas e Biológicas. Os dados sugerem uma baixa representatividade regional dentre as vozes que detém a autoridade técnica e científica a respeito da mudança do clima. 

Em um país com dimensões continentais e com grandes especificidades (ecológicas, climáticas, políticas, históricas, sociais e econômicas), a diversidade de vozes e especialistas é essencial para uma maior representatividade no entendimento dos problemas e na proposição de soluções. Além disso, o predomínio de cientistas das áreas de Exatas e Biológicas indica que a questão da mudança climática ainda vem sendo tratada como uma questão apartada dos problemas sociais, o que pode se refletir em políticas pouco efetivas e pouco condizentes com a realidade brasileira.

5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

A importância da diversidade humana para a resolução de problemas já foi evidenciada em diversas pesquisas, e a diversidade de gênero é um fator importante.  Estudos demonstraram que pesquisas com maior diversidade de gênero e de etnia entre os autores tendem a ter maior impacto e serem percebidos como de maior qualidade pela comunidade científica. A mudança do clima é uma problema multidisciplinar que não se restringe à questão ambiental, mas abarca igualmente as dimensões sociais, econômicas, ambientais e psicológicas, entre outras, da nossa sociedade. Por isso, a diversidade (de gênero, raça, etnia, classe, idade) é essencial para a construção de políticas que consigam de fato dar conta dessas múltiplas dimensões.

No entanto, como aponta Beck, “o discurso sobre política climática até agora é um discurso especialista e elitista no qual povos, sociedades, cidadãos, trabalhadores, eleitores e seus interesses, opiniões e vozes são muito negligenciados”. É isso que podemos perceber na estrutura institucional climática brasileira.

A análise dos dados identificou a predominância masculina nos espaços institucionais da governança climática brasileira, com exceção do Grupo de Trabalho de Adaptação, vinculado à elaboração do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. O predomínio masculino se dá também entre os membros que apresentam poder decisório na reunião dos órgãos/colegiados. 

Outra dimensão observada é a centralização de membros de ministérios nos órgãos responsáveis pela elaboração das políticas climáticas (o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima e o Plano Nacional de Adaptação). Ao mesmo tempo, há uma baixa participação de mulheres da sociedade civil, considerando-se que o colegiado que desempenha essa função (o Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima) apresenta predominância masculina, segundo os poucos registros mantidos. Além disso, verifica-se a predominância de homens no colegiado responsável pela assessoria técnica (Rede CLIMA), bem como a maior representação de profissionais das áreas de Ciências Exatas, Biológicas e da Climatologia.

É necessário ampliar a participação de mulheres em espaços institucionais brasileiros em nível federal vinculados à questão climática, para que se alcance a equidade de gênero, especialmente nos organismos que tratam da mitigação. As perspectivas de gênero ainda estão restritas aos aspectos de adaptação à mudança do clima, relegando à mulher, e a outras populações marginalizadas, o papel de vítimas do clima. Assim, nega-se a agência dessas populações e a capacidade delas de propor soluções nas diversas esferas relacionadas à mudança climática. 

Destaca-se igualmente a importância de uma maior participação da sociedade civil, para além do escopo técnico. É imprescindível que não apenas mulheres representantes dos ministérios ou do corpo técnico tenham acesso às discussões, mas também representantes de grupos historicamente marginalizados (por conta de sua raça, etnia ou classe social), uma vez que é nesses corpos que os efeitos da mudança do clima incidirão diretamente. Para que isso aconteça, não basta apenas buscar a equidade de gênero como um fim em si mesmo: é importante considerar as barreiras estruturais e as relações de poder que impedem mulheres e outros grupos marginalizados de exercerem sua agência (isto é, de terem plena capacidade de fazer escolhas) e de terem suas vozes, entendimentos, perspectivas e experiências respeitados nesses espaços institucionais.

Referências

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“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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PUBLICADO EM: 10 de maio de 2021

A redução da desigualdade de gênero no Brasil pode ser a chave para chegarmos, coletivamente, a respostas que tangem a crise climática e a recuperação da economia

 As mulheres brasileiras têm seu direito fundamental a uma vida digna afrontado diariamente: são as mais atingidas pela pandemia de forma desproporcional, agravando a desigualdade de gênero no nosso país (1). Elas estão em situação de cárcere (2), devido ao isolamento social, presas em casa com seus agressores. As mulheres que trabalham no setor mais atingido – o de serviço – e onde se inserem mais mulheres, inclusive como empreendedoras, têm dificuldade em conseguir financiamento e pagam taxas de juros maiores que a dos homens, segundo o Sebrae (3).

No âmbito da saúde e dos direitos reprodutivos, nosso país tem o maior índice de morte materna por covid-19. Um estudo divulgado em julho de 2020 (4) apontou que 77% das mortes de gestantes e puérperas por covid-19 no mundo foram registradas no Brasil. Também durante a pandemia foram implementadas políticas do governo federal para dificultar o acesso das mulheres ao aborto garantido constitucionalmente, e profissionais da área se preocupam com a subnotificação de estupros de vulneráveis (5). As mulheres serão as mais afetadas pela pandemia na área da saúde, seja porque terão que lidar com sequelas da doença ou porque estão desenvolvendo doenças que não estão sendo diagnosticadas e tratadas precocemente, como o câncer de mama. E não se vê do Ministério da Saúde, ou do Ministério da Mulher, família e direitos humanos qualquer estratégia para ajudar as mulheres.

Não é possível falar de inserção econômica e desenvolvimento de negócios sustentáveis, sem falar dessas desigualdades. Nem é possível abordar as desigualdades de gênero sem passar pelas violências. Sem as garantias fundamentais à vida, saúde, educação, moradia e um meio ambiente equilibrado, não veremos a transformação social que permita a superação dos obstáculos econômicos.

A Convenção da Eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (6) apresentou o conceito quadrimensional de igualdade, que deve pautar toda e qualquer política que envolva a discriminação de gênero (7). Esse conceito inclui:

  1. reparar as desvantagens sofridas pelas mulheres em séculos;
  2. identificar e reconhecer os problemas dos estereótipos de gênero;
  3. incluir as mulheres no debate de políticas sociais;
  4. e, por último, pretender a transformação das estruturas sociais.

As políticas brasileiras que visem eliminar a desigualdade de gênero devem necessariamente observar esta estrutura.

Outro ponto a ser observado é que, antes da pandemia, a sociedade já questionava o modelo econômico capitalista neoliberal, que agravou as desigualdades sociais, enfraqueceu os Estados e os regimes democráticos e contribuiu para a insatisfação dos cidadãos com a classe política. Este modelo também nos levou à emergência climática, à destruição de ecossistemas e à escassez de recursos naturais. Perdemos décadas sem desenvolver as tecnologias e políticas necessárias para manter nosso mundo habitável, pressionados por lobbies que enriqueceram uma economia insustentável.

A crise causada pela pandemia é uma oportunidade para implementar as políticas necessárias para nos garantir vida digna, respeitando os limites dos recursos planetários. Ela espalhou pelo mundo o objetivo de implementar uma recuperação verde e inclusiva, circular, com desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, e que permita o engajamento de todas as pessoas.

Os maiores desafios brasileiros são a redução das desigualdades sociais e a emergência climática e para ambos, a solução passa pela necessariamente pela inserção econômica das mulheres.

Estima-se que a inclusão de mulheres de forma equilibrada no mercado de trabalho e a valorização do trabalho de cuidado poderia gerar um aumento de 4% no PIB global. Ainda, os dados apontam que a inclusão das mulheres no mercado de trabalho dinamiza a economia, além de modificar estruturas sociais e garantir maior equidade, ampliando o grau de liberdade na sociedade, atendendo à estrutura da igualdade substantiva (8).

A luta contra a desigualdade de gênero também é elemento importante quando o assunto é emergência climática, não só porque as mulheres são as mais atingidas pelos efeitos do aquecimento global, como também porque podem ser protagonistas nas atividades econômicas relacionadas à mitigação e adaptação à crise climática. São atividades fundamentais, principalmente no nosso país, onde a principal fonte de emissão de gases do efeito estufa advém da mudança do uso da terra, ou seja, do desmatamento (9).

As mulheres são as maiores produtoras de alimento em pequenos terrenos (10). No Brasil a agricultura familiar e pequenos produtores ainda é desvalorizada, apesar de vivermos num país que tem 13 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza (11). Nossa população está concentrada na área urbana, e com a tecnologia atual, seria interessante investir na produção urbana sustentável de alimentos. Técnicas de cultivo de alimentos hidropônicos ou fazendas tecnológicas podem produzir uma grande quantidade de alimento de qualidade, com uma emissão de carbono reduzida, além de serem sustentáveis no uso de água, energia e não precisarem de serem transportados por longas distâncias. Nas áreas desmatadas ou de florestas, ajudar as mulheres com tecnologia para cultivo de alimentos sem desmatamento e com reflorestamento pode gerar um enorme benefício para o Brasil, visto que, se não recuperarmos nossas áreas desmatadas, podemos comprometer as metas de redução de emissões assumidas no Acordo de Paris.

A insegurança alimentar, o desperdício de alimentos e a gestão dos resíduos das cidades brasileiras são áreas que apresentam oportunidades de desenvolvimento de negócios feitos por mulheres brasileiras. A economia circular e a reciclagem serão fundamentais para tornar as cidades brasileiras mais sustentáveis e alguns projetos já estão sendo desenvolvidos no país (12). Estes projetos necessitam urgentemente de incentivo e financiamento, para que estas mulheres possam gerir suas organizações com maior autonomia.

Parte desta política de gênero transformadora passa por repensar a estratégia tributária brasileira. O sistema atual é regressivo e reforça a discriminação de gênero e raça, na medida em que reafirma os estereótipos e papéis que as pessoas assumem dentro de uma relação familiar e na nossa sociedade. Alterações no sistema tributário que tornem o sistema mais distributivo e progressivo, como, por exemplo, a reforma do imposto de renda da pessoa física (com a atualização de sua respectiva tabela), e a eliminação da isenção da distribuição de lucros e dividendos podem levar a uma expressiva redução de desigualdades.

Outras alterações também são necessárias, principalmente se formos pautar o sistema na Constituição Federal e nos objetivos do desenvolvimento sustentável. Atividades com produção de carbono intensivas deveriam ter vantagens fiscais e tributárias revistas e as atividades redutoras de emissões de carbono deveriam receber incentivos fiscais, especialmente neste momento em que dependemos desta transição para garantir um lugar seguro e saudável para a população, sem deixar ninguém para trás.

A correção da desigualdade de gênero no Brasil não é apenas uma questão social ou uma discussão moral, trata-se também de uma questão econômica e dela depende o desenvolvimento sustentável do Brasil.

Referências
  1. Na verdade a situação das mulheres tem sido agravada globalmente. Vide Relatório da União Europeia recém divulgado. Disponível em https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_21_1011 Acessado em 07/03/2021.
  2. FÓRUM DE SEGURANÇA PÚBLICA. (2021). Disponível em https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/violencia-domestica-durante-pandemia-de-covid-19/ Acessado em 06/03/2021.
  3. SEBRAE (2021). Disponível em https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/por-que-e-fundamental-estimular-o-empreendedorismo-feminino,ca96df3476959610VgnVCM1000004c00210aRCRD Acessado em 07/03/2021.
  4. Takemoto MLS, Menezes MD, Andreucci CB, Nakamura-Pereira M, Amorim MMR, Katz L, Knobel R. The tragedy of COVID-19 in Brazil. Internationcal Journal of Gynecology Obstetrics, July, 2020.
  5. CNN BRASIL. (2021), Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/09/12/pandemia-provoca-subnotificacao-de-casos-de-abuso-dizem-especialistas Acessado em 06/03/2021.
  6.  Promulgada pelo Decreto nº. 4.377/2002.
  7. As dimensões são as seguintes: (1) reparar a desvantagem das mulheres (a dimensão redistributiva); (2) abordar estigma, estereotipagem, preconceito e ódio (a dimensão do reconhecimento); (3) facilitar a participação e a voz (a dimensão participativa); e (4) acomodar diferenças e transformar estruturas de gênero na sociedade (a dimensão transformadora).
  8.  EXAME. (2021) Disponível em https://exame.com/revista-exame/mulheres-contra-a-crise/ Acessado em 07/03/2021.
  9.  SEEG (2021). Disponível em http://plataforma.seeg.eco.br/total_emission Acessado em 06/03/2021.
  10.  AGÊNCIA BRASIL. (2021). Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-10/aumenta-participacao-de-mulheres-na-agricultura-familiar#:~:text=A%20participa%C3%A7%C3%A3o%20feminina%20na%20agricultura,compara%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20masculina%20em%202019. Acessado em 07/03/2021.
  11.  THINK OLGA (2021). Disponível em https://thinkolga.com/report/economia-trabalho/ Acessado em 06/03/2021.
  12.  TERRA. (2021). Disponível em https://www.terra.com.br/noticias/dino/mulheres-sao-maioria-no-setor-da-reciclagem-de-residuos-solidos,1232f6701ee0416bd267873cc027bf1bfnfmg28s.html Acessado em 07/03/2021.

* Sobre a autora: Ana Carolina é advogada, integrante da rede LACLIMA e tem ampla experiência tributarista.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Por que somente o investimento econômico em “setores verdes” não basta?

A retomada econômica pós-pandemia causada pela COVID-19 precisa ser verde, inclusiva, sustentável, resiliente e centrada no ser humano. Para isso é necessário que, se for estabelecido um “New Green Deal”, que ele tenha como elementos estruturantes a promoção de condições de trabalho decente com equidade de gênero e de raça.

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Onde está o gênero nas políticas climáticas?

Onde está o gênero nas políticas climáticas?

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Onde está o gênero nas políticas climáticas?

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes​
PUBLICADO EM: 30 de abril de 2021
Após produzir uma nota técnica analisando a presença de gênero em políticas e programas climáticos federais, as integrantes do GT Lígia Galbiati, Severiá Idioriê e Michelle Ferreti trouxeram apontamentos do que isso significa e para onde podemos ir.

As políticas climáticas federais são norteadoras de ações de impacto no nosso país. Embora haja outras esferas de atuação, é a partir do âmbito federal que as maiores mudanças podem ser feitas.

Em 2020, um dos frutos do GT de Gênero e Clima foi a nota técnica “Indicativos de Gênero em Políticas e Programas Climáticos na Esfera Federal“, e esta foi uma oportunidade de trazer novamente esse material ao centro e discutir horizontes a partir desse trabalho.

Lígia Galbiati, uma das elaboradoras da nota técnica, traz visões coletadas pelo círculo de Políticas Climáticas durante a pesquisa de palavras-chave em documentos federais. Não há a presença de palavras como “gênero“, “mulher“, “criança” ou “igualdade” no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), por exemplo. A ausência se repete na Política Nacional Sobre Mudança do Clima.

Por outro lado, no Plano Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC) se encontram as palavras-chave “quilombo“, “povo“, “comunidade“, “indígena“, “vulnerável/vulneráveis” e “baixa renda“. Já as Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC) de 2016 apresentam comprometimento com direitos humanos e populações consideradas vulneráveis logo na primeira página, indicando a promoção de medidas também sensíveis às questões de gênero.

Embora pareça um avanço, Lígia destaca que em todos os documentos as palavras-chave estão concentradas em eixos e temáticas de vulnerabilidade. Isso coloca as populações como vítimas do clima, o que apaga relações de poder e reforça um entendimento de que a desproteção é algo natural. Uma mudança de ótica pode ser proposta se tratarmos esses grupos como “vulnerabilizados”, pois pressupõe a ação de outros nessa condição.

Outras necessidades para mudança incluem a inserção desses grupos em espaço de tomada de decisão e elaboração, para que suas pautas estejam presentes desde o início da construção dos documentos.

Além da participação, esses espaços precisam ser pensados para não reproduzirem hierarquias, com dinâmicas horizontais e que respeitem especificidades das populações envolvidas. Assim, não perdemos de vista que as alterações climáticas são percebidas e vivenciadas de formas diferentes.

Severiá Idioriê nos lembra, por exemplo, que pensar sobre os povos indígenas e em como eles se relacionam com a mudança climática é pensar, também, na diversidade existente entre eles. “Tem povos sem contato [com não-indígenas], povos que estão com contato há 20 anos e outros que estão com contato há 40 anos,” ela exemplifica.

Ela também aponta como instituições governamentais e organizações não-indígenas que tratam de gênero ou de clima precisam estar em contato com as redes de informações indígenas. Severiá reforça a necessidade de aproximação, para que os diálogos valorizem e fortaleçam saberes tradicionais e não reforcem visões equivocadas sobre os povos originários – como a visão de que indígenas impedem o “desenvolvimento” nacional e local. Ela traz um conselho conciso, “vamos trazer as redes para perto.

Fazendo um diagnóstico de por que as iniciativas públicas carecem de olhares que consideram gênero, Michelle Ferreira expõe que há uma certa divisão sexual do trabalho político: mulheres costumam trabalhar em secretarias de saúde e educação, áreas ligadas ao cuidado, sem presença massiva em finanças e ambientalismo, por exemplo.

Isso não significa que mulheres estejam ausentes da política. Primeiro, precisamos entender o que são esses espaços de governança, e se estamos falando de participação ou decisão.

Iniciativas como as Marchas das Mulheres Negras, das Margaridas e das Mulheres Indígenas derrubam essa ideia de ausência das mulheres de debates políticos. Porém, elas não são negociadoras em espaços institucionais, e quando adentram esses lugares, recebem ofensivas de políticos com discursos sexistas. “Essa violência é mais contundente contra negras, trans e indígenas, porque essas mulheres trazem propostas revolucionárias,” aponta Michelle.

Pensando em espaços de negociações climáticas, como o Acordo de Paris, as mulheres têm participação importante, mas as que chegam são homogêneas: brancas, com um recorte específico de escolaridade e classe.

De maneira geral, os planos de governo quando falam de questões ambientais, não abordam questões de gênero, raça, classe social, como declara Michelle. Mesmo quando as pessoas indígenas são chamadas para mesa, é para legitimar o que já está decidido, no lugar de incorporar seus conhecimentos.

Após essa conversa e diagnóstico inicial no GT, outras possibilidades se abrem para pensarmos a ampliação da pesquisa e o planejamento de ações de incidência para mudar esse cenário na prática.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Existe Clima para Gênero nas Eleições?

Este documento é um relato do Grupo de Trabalho de Gênero e Clima, do Observatório do Clima, para compartilhar nossas experiências durante o segundo semestre de 2020 sobre as relações entre Mudanças Climáticas e Gênero no âmbito das eleições e gestões municipais.

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Onde estão as mulheres nos espaços federais de governança climática?

Quais são as formas de lutar por justiça climática?

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Quais são as formas de lutar por justiça climática?

ELABORAÇÃO: Jamille Nunes
PUBLICADO EM: 22 de março de 2021

Ana Rosa Calado, Deroní Mendes e Ana Carolina Barbosa nos contam quais são as formas, soluções e ferramentas de lutar por justiça climática – no feminino e no plural. Frentes de trabalho incluem a luta contra todas as desigualdades, a valorização dos saberes cotidianos e o uso de instrumentos jurídicos.

 Para falar em justiça climática, conceito que alia a temática de clima às estruturas e desigualdades da nossa sociedade, é preciso antes de tudo desmistificar os debates ambientais. É isso que Ana Rosa Calado, coordenadora do GT de Gênero do Engajamundo, aponta ao questionar diretamente: “quanto desse debate tem de cotidiano?

O assunto da mudança climática muitas vezes remete às narrativas específicas, de calotas de gelo se desprendendo a ursos polares em sofrimento. Essas são imagens verdadeiras, mas, além de distantes da realidade brasileira, também são insuficientes para mobilizar a sociedade.

Quando falamos sobre questões voltadas para o clima, precisamos falar de falta de saneamento, de educação e da população LGBT não ter direito o suficiente para sobreviver,” Ana Rosa completa. “Pauta climática é sobre a vida, a ação do ser humano no espaço.”

Segundo ela, para sensibilizar e mobilizar, precisamos falar do que toca na pele – dos diversos lugares em que as pessoas vivem. Uma consciência e discussão a partir do território em que moram suscita as questões mais imediatas que perpassam a sobrevivência, a qualidade de vida e o bem-estar.

Olhar para um território com lentes interseccionais (ou seja, se propondo a enxergar as desigualdades de gênero, classe e raça) deixa evidente, então, quais pessoas vivem naquele espaço, o tipo de acesso delas a serviços, bens e recursos. “Por exemplo, espaços de populações majoritariamente negras não são contemplados da mesma forma que espaços majoritariamente brancos,” Ana ressalta, trazendo um exemplo de racismo ambiental.

Sem observar essas questões e trazê-las para as pautas ambientais, as pessoas não se enxergam no debate, e o vêem como descolado de sua realidade.

Um próximo passo para aproximar a discussão da sociedade é entender e incorporar o conceito de desigualdade. Para Ana, “desigualdade não é só sobre acessos, mas também sobre autonomia, sobre a história de grupos vulneráveis e a construção de seus passos.” Isso demanda uma escuta atenta de populações historicamente marginalizadas e vulnerabilizadas, tais como comunidades tradicionais, povos indígenas, negros, quilombolas e populações LGBTs.

No sistema de poder que vivemos atualmente, algumas vivências são supervalorizadas e cuidadas, enquanto outras são silenciadas e ignoradas, colocando suas vidas em risco, em espaços para serem esquecidas,” Ana pontua.

 

Mas onde a história desses grupos encontra a pauta climática?

As pessoas que não estão dentro dessa lógica hegemônica são empurradas para margem, deixando elas mais vulneráveis para as mudanças climáticas,“ ela responde. “Isso faz com que o movimento seja por justiça social também.”

As alternativas para trazer corpos, experiências e territórios da margem para o centro das discussões passa, também, por ouvir e amplificar conhecimentos de quem vive, conhece as suas regiões e sente a mudança climática ao longo dos anos.

Deroní Mendes, mãe solo e geógrafa, filha de agricultores, nascida e crescida em comunidade tradicional no Mato Grosso, explica que não é possível para pesquisadores e organizações entenderem os efeitos da crise climática sem considerar a perspectiva de mulheres rurais. De acordo com Deroni, homens e mulheres têm percepções diferentes sobre o território.

Para ilustrar, quando eu pergunto pro meu pai quando foi a última enchente normal, ele me fala que foi em 1988, o ano que minha vó morreu. Minha mãe fala que foi em 1988, o ano que minha vó morreu, e eu comecei a estudar, então ela e minha outra vó ficaram sozinhas no sítio. Minha mãe traz vários elementos, como o fato de que só tinha um lugar seco pra enterrar minha vó. Meu pai fala de um jeito bem simplificado.

Ela explicita em outro exemplo como a mulher é a primeira a perceber transformações no território: “meu pai era o responsável por trazer comida, ia caçar. Ele sabe que na época da cheia, quando a lagoa enche, ele e meu irmão pegam peixe sem anzol, porque os peixes tão tentando ir pra outra parte do rio. Minha mãe, além de entender tudo isso, sabe quais os tipos de peixes que vêm, o tamanho dos peixes e o que tem dentro da barriga dos peixes. De uns tempos pra cá, a minha mãe foi a primeira a notar que o rio não tava enchendo na mesma época, que a diversidade de peixe diminuiu, que a barriga do peixe não tinha mais ova. A cheia do rio estava tão atrasada que os peixes já tinham desovado.

Deroni explica que o olhar dessas mulheres, mais atentos à época do ano, as fazem perceber as mudanças de fenômenos naturais. E que esses saberes são tão importantes e complexos quanto qualquer outro. “A mulher rural não é a que vai pro enfrentamento. Quem vai conversar com a prefeitura, em eventos, geralmente é o homem. Mas o homem precisa levar a perspectiva da mulher no que ele tá falando. Porque, geralmente, quem notou primeiro foi a mulher. A gente precisa captar esse olhar integrado das mulheres. Quem tá de fora, acha que as mulheres só fazem comida e cuidam dos filhos, e a dinâmica é mais que isso, tem toda uma complexidade por trás.

Para as mulheres que desejam participar dos enfrentamentos em espaços institucionais, como no poder público, além de contornar os machismos, é preciso saber quais as ferramentas estão disponíveis nesses lugares. Por isso, Ana Carolina Barbosa, advogada integrante do LACLIMA, destaca que devemos aprender o significado – e o uso – da litigância climática a nosso favor.

Para entender a litigância climática, precisamos entender direitos e deveres nossos como cidadãos. Assim, saberemos como e o que cobrar dos poderes público e privado.” afirma Ana Carolina, já reforçando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito previsto na Constituição Federal do Brasil.

A litigância climática funciona como instrumento estratégico de articulação nacional e global, que utiliza do Poder Judiciário para pressionar legisladores, gestores públicos e empresas a cumprirem suas responsabilidades legais no cenário climático.

Uma dessas responsabilidades é garantir à sociedade, além de uma vida digna e direitos fundamentais básicos, um meio ambiente equilibrado e justo. Os litígios climáticos servem, então, para pressionar o estado legislador, estado administrador e instituições privadas a executarem políticas comprometidas com a garantia de um clima adequado. Quando vemos que as emergências climáticas não estão sendo levadas a sério por esses atores, o judiciário é chamado para tomar atitudes.

Um dos primeiros exemplos de casos de litigância climática na América Latina foi uma ação ajuizada por 25 jovens, com idades entre 7 e 26 anos, representados pela ONG Dejusticia, contra órgãos do governo da Colômbia. O caso ficou conhecido como Gerações Futuras contra o Ministério do Meio Ambiente e outros. No julgamento, em 2018, a justiça colombiana reconheceu a omissão estatal no controle do desmatamento e determinou a formulação de planos de ação adequados ao compromisso assumidos pelo governo no Acordo de Paris.

Embora seja uma ferramenta importante, Ana Carolina ressalta que esse tipo de ação deve ser feita de maneira estratégica. “A litigância é um instrumento que deve ser usado com parcimônia, porque o nosso poder judiciário sofre uma série de pressões e questões. Ela não é uma solução para todos os problemas.

Dessa maneira, pelo olhar de três mulheres atuantes em diferentes cenários, percebemos que existem muitas formas de atuar a favor da justiça climática, trazendo para essa questão saberes, vivências e habilidades diversas. Por intermédio do GT de gênero e clima, buscamos produzir conhecimento e conscientização sobre a temática pelo viés do território, das interseccionalidades estruturais e da litigância. Assim, avançaremos cada vez mais rumo à mobilização da comunidade do clima diante das pautas existentes – e urgentes – de justiça social.

Esse texto foi baseado no evento interno do GT de Gênero e Clima, “Justiças climáticas: no feminino e no plural”, em 19/04/21, onde as três foram convidadas para compartilhar seus saberes.

Ana Carolina é advogada, integrante da rede LACLIMA e tem forte experiência tributarista. Ana Rosa é pedagoga, ativista e coordenadora do GT de gênero do Engajamundo. Deroní Mendes é coordenadora do programa Direitos Socioambientais do Instituto Centro de Vida (ICV).

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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Como o trabalho de mulheres pode favorecer a adaptação aos efeitos da mudança climática

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Como o trabalho de mulheres pode favorecer a adaptação aos efeitos da mudança climática

ELABORAÇÃO: Danielle Almeida de Carvalho
PUBLICADO EM: 17 de março de 2021
Fortalecer o trabalho de mulheres lhes coloca como agentes solucionadoras – e não apenas como“vulneráveis” -, favorecendo a adaptação de suas comunidades aos efeitos da mudança climática.

As desigualdades de gênero, caracterizadas pela hierarquização dos homens em relação às mulheres e influenciadas por raça e classe social, possuem impactos concretos.

Isso significa, por exemplo, que as mulheres se dedicam aos afazeres domésticos e cuidados com pessoas, semanalmente, em média 45% mais que os homens. Ainda, mulheres negras dedicam 18,6 horas às mesmas tarefas que homens brancos dedicam 10,4 horas. Tal relação é denominada como divisão sexual do trabalho, onde mulheres pretas e pardas trabalham muitas horas em atividades domésticas não remuneradas do que homens.

Desta forma, as mudanças do clima também afetam de modo desigual homens e mulheres, agravando a disparidade de gênero, em situações como migração, acesso a energia, segurança alimentar e recursos hídricos, saúde e representação política. Segundo dados da ONU (2015), 70% das 1,3 mil milhões de pessoas em situação de pobreza em todo o mundo são mulheres. E, diante de catástrofes naturais, as mulheres e as crianças correm 14 vezes mais riscos de morrer do que os homens.

No entanto, os espaços de tomada de decisão para adaptação e mitigação das mudanças do clima e gestão de riscos ainda não são ocupados por mulheres. A inclusão de mulheres e meninas nos processos de adaptação à mudança do clima pode contribuir para a minimização dos riscos não somente para elas, mas para toda a sociedade.

 

 

As mulheres são parte da solução

O conceito de capacidade adaptativa, apresentado nos relatórios do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), se relaciona a capacidade de resposta de indivíduos, grupo e comunidades à exposição e sensibilidade aos efeitos da mudança climática – basicamente, quanto tempo leva para um grupo se estabilizar após desastres.

E as mulheres possuem papel essencial no contexto de capacidade adaptativa. Em Tamil Nadu, Índia, as mulheres agricultoras melhoraram os sistemas tradicionais de pós-colheita para fazer os alimentos durarem mais. Essas práticas variam, mas geralmente incluem debulhar, joeirar, limpar e secar. Com os alimentos durando mais, em situação de desastre e possível escassez de alimentos, o trabalho desenvolvido pelas mulheres indianas garante segurança alimentar a toda comunidade.

Outro exemplo é o papel de mulheres na pesca artesanal na região Sul do Brasil. A maioria das mulheres na comunidade da pesca trabalha nos galpões consertando redes, beneficiando e comercializando o pescado, e muitas ainda saem para alto mar para auxiliar seus maridos na pesca. Os papéis desempenhados pelas mulheres nestas comunidades podem ser considerados estratégias adaptativas da família para diminuir a vulnerabilidade social. No entanto, o trabalho desenvolvido pelas mulheres não é levado em consideração na gestão dos recursos pesqueiros, possuem baixa ou nenhuma remuneração e são pouco beneficiadas economicamente pela atividade pesqueira.

A participação de mulheres no processo de tomada de decisão, a visibilização e a remuneração do trabalho da mulher são caminhos em busca de melhores resultados nas estratégias de adaptação de comunidades, municípios e regiões, além da busca pela justiça climática. A coleta de dados desagregados por sexo, a capacitação de mulheres, o fortalecimento de associações de mulheres em comunidades são algumas das medidas em que projetos e políticas públicas podem minimizar as desigualdades, favorecendo o empoderamento feminino e melhorando a capacidade adaptativa frente aos impactos negativos da crise climática.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Existe Clima para Gênero nas Eleições?

Este documento é um relato do Grupo de Trabalho de Gênero e Clima, do Observatório do Clima, para compartilhar nossas experiências durante o segundo semestre de 2020 sobre as relações entre Mudanças Climáticas e Gênero no âmbito das eleições e gestões municipais.

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Onde estão as mulheres nos espaços federais de governança climática?

O REDD+ e o que a discussão de gênero tem a ver com isso

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O REDD+ e o que a discussão de gênero tem a ver com isso

ELABORAÇÃO: Marina Brito Pinheiro
PUBLICADO EM: 14 de março de 2021
O REDD+ se apresenta como um caminho para a redução de emissões, mas essa discussão precisa levar a perspectiva de gênero em consideração para ser bem sucedida nas comunidades envolvidas..

REDD+ é uma sigla que significa Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal e dá nome a uma das principais iniciativas no âmbito das discussões sobre o estabelecimento de um mercado global de carbono, atribuindo um valor econômico à redução das emissões.

Criado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o REDD+, em linhas gerais, seria uma forma de países ricos do norte global contribuírem para a redução das emissões de gases do efeito estufa apoiando projetos de conservação, tendo como moeda de troca a quantidade de CO2 estocados em florestas.

Esse mecanismo de compensação de emissões de gases do efeito estufa é controverso, tanto em termos da sua efetividade na conservação florestal, quanto em promover os direitos das comunidades ribeirinhas e outros povos da floresta. Ainda assim, ele se tornou uma realidade em diversos países do sul global, como no Brasil. Porém, sua aplicação tem ocorrido de forma pouco sensível às questões de gênero, como a maior parte das políticas de mitigação climática no mundo.

Apesar do interesse de diversos atores, como governos nacionais e subnacionais, em financiar e executar projetos no arranjo do REDD+, existem controvérsias em torno do tema. De um lado, a compra e venda de estoques de carbono ainda não alcançou a oficialidade que se esperava, com o estabelecimento de fato de um mercado global. De outro, questiona-se a capacidade desse tipo de mecanismo de garantir a conservação florestal e oferecer os chamados “co-benefícios do REDD+”, ou seja, efeitos sociais e ambientais além da redução de emissões de CO2.

É possível que a ausência de regulamentação clara e efetiva afete os resultados desses projetos, o que necessita de maior investigação. A realidade até agora, no entanto, é a de que a rápida elevação do desmatamento em diversas áreas de conservação florestal, algumas delas beneficiadas por esse tipo de iniciativa, revela limitações desse modelo no que concerne a conservação florestal. Quanto aos “co-benefícios do REDD+” , a ausência de um olhar consistente sobre os povos que vivem nas florestas, assim como para outros temas estruturantes das relações sociais nesses espaços, como gênero, tem resultado em denúncias de violação de direitos, partilha desigual de benefícios e exclusão de parcelas dessas populações dos espaços de tomada de decisão.

Apesar das divergências em torno da efetividade dessa iniciativa, o REDD+ chamou a atenção de empreendimentos privados e governos subnacionais no Brasil, que veem no mecanismo uma forma de financiamento de políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável. Existem iniciativas em diferentes níveis de implementação em todos os estados por onde o bioma Amazônia se estende, sendo o Acre um dos pioneiros nesse processo e também, hoje, um dos principais alvos de críticas à forma como esse modelo de política climática se estabeleceu no país.

Apesar de algumas dessas iniciativas terem apontado para questões relacionadas a gênero em suas diretrizes socioambientais, o tema ainda está longe de ser aplicado pelos projetos existentes hoje no país. Existem dificuldades em garantir a participação efetiva das mulheres nos processos de tomada de decisão, tais como a construção dos Termos de Consentimento Livre, Prévio e Informado. Assim como é recorrente a ausência de uma perspectiva de gênero em legislações que operacionalizam a participação dos governos estaduais na gestão dos projetos de REDD+, entre outras coisas.

 

Mas por que esses projetos deveriam estar atentos às desigualdades de gênero?

A resposta é que, ao fazerem isso, eles não só diminuem as chances de ocorrência de violações de direitos, mas também podem ser mais efetivos. Ações financiadas pelo REDD+ nas comunidades de pessoas que vivem em áreas conservadas, quando planejadas sem perspectiva de gênero (ou sem um olhar voltado para as relações de gênero), podem reforçar desigualdades internas às comunidades, excluindo as mulheres da possibilidade de se beneficiarem dos ganhos sociais que esses mecanismos de compensação de emissões podem trazer.

Além disso, uma perspectiva de gênero pode gerar resultados mais positivos na própria conservação da floresta. Existem evidências coletadas de experiências de projetos de REDD+ no mundo que mostram que projetos sensíveis à questão de gênero levaram à maior adesão da população às iniciativas voltadas para a conservação florestal na área onde a ação era realizada, e consequentemente ao aumento dos estoques de carbono.

Em paralelo ao debate em torno da viabilidade do REDD+ enquanto solução de política de amenização das mudanças climáticas, sua presença cada vez mais constante nas agendas dos governos estaduais no bioma Amazônia coloca a necessidade de debater a incorporação das questões de gênero nas propostas de regulamentação de programas de REDD+ subnacionais. É fundamental discutir ações concretas para que essas iniciativas promovam os direitos das mulheres, assim como sejam capazes de distribuir de forma equitativa os possíveis benefícios sociais que esses projetos venham a oferecer.

Em outras palavras, sem uma incorporação adequada de uma perspectiva de gênero, projetos de REDD+ terão que lidar com um risco iminente de violações de direitos, seja através da reprodução das desigualdades já existentes, seja pelo estabelecimento de novas disparidades, beneficiando parte da população em detrimento de outra. As políticas voltadas para mitigação das mudanças climáticas, como o REDD+, só obterão sucesso se feitas com e para as mulheres.

Referências

PIATTO, M. et al. REDD+ no Brasil: Status das salvaguardas socioambientais em políticas públicas e projetos privados. Piracicaba, Imaflora. 2015. Disponível em: https://bit.ly/2VjWfbA. Acesso em 19 Set 2019.

RANDO, Ayri; AZEVEDO, Marta. Controle social no Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais do Acre: relato da experiência de implantação e funcionamento do comitê local de padrões. Redes (Santa Cruz do Sul. Online) 20, 1. 2015. Pp. 108-128.

SANSON, Fábio Eduardo de Giusti. Florestas do Antropoceno: tensões no contexto das mudanças climáticas. Tese de Doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina. 2016.

UNREDD, United Nations Collaborative Programme on Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation in Developing Countries. The Business Case for Mainstreaming Gender in REDD+. UNREED. 2011.

WALDHOFF, Philippe. Resultados da avaliação do manejo florestal comunitário sobre os meios de vida de seus protagonistas: destaque para a conservação ambiental em detrimento à produção. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo. 2014. Pp. 151.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Existe Clima para Gênero nas Eleições?

Este documento é um relato do Grupo de Trabalho de Gênero e Clima, do Observatório do Clima, para compartilhar nossas experiências durante o segundo semestre de 2020 sobre as relações entre Mudanças Climáticas e Gênero no âmbito das eleições e gestões municipais.

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Por que falar de mudança climática e gênero, juntos?

Por que falar de mudança climática e gênero, juntos?

#ProduçãoTextual

Por que falar de mudança climática e gênero, juntos?

ELABORAÇÃO: JAMILLE NUNES
PUBLICADO EM: 06 de março de 2021

 

No mundo inteiro, a mudança climática afeta mulheres e meninas de maneiras específicas. Entender essas particularidades é o primeiro passo para caminharmos em direção a ações efetivas.

Antes conhecido como “aquecimento global”, a mudança climática é um fenômeno de aumento de temperatura da Terra, acelerado pelo desmatamento e pela alta emissão de gases de efeito estufa, provenientes de atividades humanas.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), onde cientistas estudam o tema desde 1988, esse aumento tem consequências não apenas na temperatura, mas também em outras atividades da natureza, uma vez que todo o ecossistema é interligado: haverá aumento dos níveis do mar, mudança nos períodos e na intensidade das chuvas, desaparecimento de animais, entre outros.

Mas se a população mundial inteira vai sentir tais impactos, por que precisamos falar de gênero, especificamente?

Colocar “gênero” como uma lente para enxergar a mudança climática é necessário porque ele influencia nossas relações sociais e, consequentemente, o lugar que ocupamos no mundo – literal e figurativamente.

Figurativamente porque é esperado  de mulheres e meninas que desempenhem determinados papéis, como o de cuidadoras e responsáveis pelas necessidades da família ou de suas comunidades.

Literalmente porque mulheres pobres, de populações tradicionais, trabalhadoras rurais, ou moradoras das periferias urbanas moram em locais com infra-estruturas fragilizadas ou inexistentes. Além disso, elas não estão inseridas em espaços de poder, onde são feitas decisões que afetam suas vidas e bem-estar diretamente.

Quando enxergamos esses “detalhes”, entendemos que ao terem seus territórios atingidos por desastres naturais causados pela mudança do clima ou pela ação humana descontrolada, são as mulheres as responsáveis por contornar o problema e buscar solução, exercendo o trabalho de cuidado esperado delas. Isso, por exemplo, significa caminhar maiores distâncias em busca de água e combustível para cozinhar. Em casos extremos, onde há a necessidade de migração, a dissolução de suas comunidades e redes de apoio as torna mais vulneráveis à violências sexuais.

Esses são apenas alguns cenários que mostram como elas estão vulneráveis a violências específicas, especialmente levando em consideração que a maior parte da população pobre mundial é composta por mulheres.

Tendo isso em vista, não podemos cair na armadilha de olhar as populações de mulheres apenas como vítimas. Isso as representaria como passivas aos problemas, quando na realidade elas são as principais complementadoras e diversificadoras de renda de seus lares, são as que mais se deslocam por causa do trabalho profissional, e as principais pulverizadoras da economia solidária.

Inserir gênero significa enxergar os problemas pelos quais mulheres em diversos contextos passam, sem homogeneizar as experiências em torno da categoria “mulher”, e também valorizar e amplificar as iniciativas lideradas por elas para conter as consequências da mudança climática.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

Quais são as formas de lutar por justiça climática?

Ana Rosa Calado, Deroní Mendes e Ana Carolina Barbosa nos contam quais são as formas, soluções e ferramentas de lutar por justiça climática – no feminino e no plural. Frentes de trabalho incluem a luta contra todas as desigualdades, a valorização dos saberes cotidianos e o uso de instrumentos jurídicos

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Onde estão as mulheres nos espaços federais de governança climática?

Justiça Climática: conceito, luta e prática

#ProduçãoTextual

JUSTIÇA CLIMÁTICA: CONCEITO, LUTA E PRÁTICA

ELABORAÇÃO: Andreia Coutinho Louback
PUBLICADO EM: 06 de março de 2021

A centralidade da justiça na pauta climática perpassa pela lente do gênero, da raça e das desigualdades sociais. Diante disso, percebemos o quanto a temática de clima é indissociável das interseccionalidades que estruturam a nossa sociedade hoje. É nesse sentido que surge o conceito de justiça climática e socioambiental. Além de ter uma ênfase na desproporcionalidade entre os grupos que são mais afetados diretamente pelos eventos extremos, há uma preocupação com a representatividade nas políticas climáticas. 

Como desdobramento do conceito de justiça ambiental, o movimento em prol da justiça climática possui quatro valores principais: 

  • Comunidade
  • Grupos marginalizados
  • Poder popular
  • Igualdade

Nesse sentido, podemos pensar em diversas vertentes tanto do fazer quanto do lutar por justiça climática. É imperativo trazer a população negra, periférica, indígena, quilombola e ribeirinha para o centro da tomada de decisão de políticas climáticas. Dentro desses recortes étnicos, raciais e sociais, temos, por exemplo, o grupo de defensoras ambientais brasileiras que, a partir dos seus territórios, têm se articulado e mobilizado com iniciativas de justiça ambiental. É preciso compreender que justiça climática é transversal à toda e qualquer mobilização pelo clima, logo, não podemos falar de clima e justiça sem falar de justiça racial e social. 

No Brasil, há algumas organizações que já abraçaram o tema de justiça climática com diferentes focos temáticos, mas ainda não há um uma institucionalização do conceito sob perspectiva brasileira. Além da necessidade de que, cada vez mais lideranças e tomadores de decisão se apropriem do tema, precisamos de estratégias para a inclusão de novas vozes na comunidade climática. É dessa forma que conseguiremos incorporar as interseccionalidades, as vivências e as realidades de grupos historicamente marginalizados para legitimar a discussão sobre mudanças climáticas no Brasil – e no mundo. 

Por fim, vale destacar que é imprescindível a participação de mulheres negras, indígenas e quilombolas em toda e qualquer discussão sobre gênero e clima. O feminismo universal não abarca todas as complexidades necessárias que são essenciais para uma análise crítica de realidades marginalizadas. E sem elas, não contemplaremos a integralidade da justiça climática, que nos convoca à equidade, igualdade e inclusão.

“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”

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