#Relatório
Equidade de GÊNERO NoS Espaços de governança climática
ELABORAÇÃO: LÍGIA AMOROSO GALBIATI E JÚLIA CAMPOS.
PUBLICADO EM: 31 de maio de 2021
SUMÁRIO EXECUTIVO
- Apesar de consenso no meio científico, a mudança climática continua em disputa no campo político, sendo uma das principais pautas da agenda ambiental internacional.
- Os efeitos das mudanças do clima afetam as populações de formas diferentes, e o gênero é uma variável importante em um contexto de desigualdades e relações assimétricas de poder.
- Na década de 90, o Brasil assumiu um papel de liderança e incentivo das discussões internacionais sobre mudança do clima e iniciou o processo de construção da sua política climática.
- Entre os espaços criados que ainda operam atualmente e são analisados neste relatório, estão:
o Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC) e Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM): dedicados à articulação governamental;
o Grupo Executivo sobre Mudança do Clima (GEx) e GT Adaptação: voltados para a elaboração de políticas de clima
o Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC): focados na discussão e no assessoramento técnico e científico. - Este documento avaliou a participação feminina na construção da política climática brasileira. A pesquisa analisou a composição, por gênero, dos participantes dos espaços elencados acima.
- Pesquisas já apontam que, em alguns países, a participação política de mulheres auxilia na implementação de políticas ambientais efetivas. Apesar disso, relacionar as questões de gênero às políticas climáticas ainda é incipiente no Brasil.
- A participação masculina predomina em todos os setores avaliados neste documento, com exceção do GT Adaptação.
- O Plano de Adaptação, elaborado pelo GT Adaptação, é o único documento a apresentar maior sensibilidade às questões de gênero. Tal fato pode ser um reflexo da maior participação feminina nesse espaço específico.
- A maior presença de mulheres ocorre no setor relativo à adaptação, e não nos espaços de articulação política ou de assessoramento técnico, ligados à mitigação.
- Essa desigualdade de participação sugere a centralização histórica dos assuntos técnicos e científicos nos homens e das questões sociais e de vulnerabilidade nas mulheres, com consequências negativas para a igualdade de gênero e, possivelmente, para as políticas climáticas.
- Os dados de participação por gênero evidenciam que as mulheres atuam principalmente como convidadas e não representantes, ou seja, sem poder decisório. Na prática, portanto, há pouca participação feminina nas decisões sobre a política climática.
- A composição da Rede Clima, um espaço de caráter técnico e de pesquisa, é constituída majoritariamente por pessoas do Sudeste com atuação nas áreas de Ciências Exatas, da Terra e Biológicas. Duas consequências foram observadas: a) a pouca representatividade regional; b) a centralização das questões físicas e bióticas no debate sobre a mudança climática, em detrimento das questões sociais, igualmente relevantes.
- É necessário aumentar a diversidade dos participantes da governança climática no Brasil. Esta é uma forma de garantir que a política climática seja mais efetiva e atenta à realidade da população (considerando suas diferentes vulnerabilidades e contribuições).
2. INTRODUÇÃO
Com o aumento da emissão de gases de efeito estufa a partir da Revolução Industrial, o sistema climático do planeta passa por alterações, e seus efeitos já podem ser observados. Apesar do consenso científico acerca da influência do homem no clima, as políticas e ações relativas à mudança climática permanecem em disputa e se tornaram uma das principais pautas da agenda ambiental internacional.
É importante destacar que a mudança climática atinge as populações de forma diferente, a depender de vários fatores: raça, gênero, classe social, idade, localização geográfica, etnia etc. Alguns grupos se beneficiam da exploração ambiental enquanto outros sofrem com as consequências negativas da degradação do meio ambiente. Por isso, abordar a problemática ambiental por meio da ótica
das relações de poder e desigualdades sociais é imprescindível para encontrar soluções adequadas e efetivas1.
Homens e mulheres, por exemplo, se relacionam de maneiras distintas com o ambiente: utilizam os recursos naturais de acordo com os diferentes papéis que exercem, as necessidades e responsabilidades que possuem, e também as relações de poder que permeiam nossa sociedade2. Devido à vulnerabilidade social, as mulheres estão mais expostas aos efeitos negativos das mudanças climáticas3.
Estudos indicam que as emissões de gases de efeito estufa por habitante são menores em países que possuem mulheres com maior status político. Além disso, nações com maior proporção de mulheres em cargos parlamentares têm mais chance de ratificar acordos ambientais4. Isso reitera a importância da participação política das mulheres nas questões relativas ao ambiente e a importância de considerar a categoria de gênero no âmbito das mudanças climáticas.
CENÁRIO INTERNACIONAL
A partir de 1988, a questão climática passou a ser entendida na Assembléia Geral da ONU como uma preocupação comum de toda a humanidade e com caráter intergovernamental. Em 1992, no evento ECO-92 no Rio de Janeiro, foi adotada a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), ratificada por 195 países. Seu objetivo é alcançar
a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável. (BRASIL, p. 6, 2010)
As disputas entre os países em relação ao clima, baseadas especialmente em seus interesses econômicos, resultaram na diferença da partilha de responsabilidades entre países dos blocos do Norte e do Sul. O Protocolo de Kyoto, ratificado em 1997 na 3ª Conferência das Partes (COP, reunião anual dos países membros da UNFCCC), mostrou essa assimetria: apesar de instituir metas vinculantes (ou seja, legalmente mandatórias para os países signatários), os países considerados “em desenvolvimento” não teriam a obrigação de reduzir suas emissões.
Prevaleceu então o entendimento de responsabilidades históricas que deveriam, portanto, ser diferenciadas, justificando que esses países não precisariam cumprir as metas para não comprometerem seu desenvolvimento econômico.
O Brasil, como representante do bloco dos países ditos emergentes, teve um papel importante ao pautar e defender esse ponto de vista. Contudo, mesmo sem obrigações quantificadas de redução de emissões, ele começou a estruturar sua política climática.
Figura 1. Linha do tempo com os principais aspectos da agenda climática global e da política climática brasileira citadas e/ou avaliadas neste relatório. A pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC), que não é tratada neste relatório, foi criada para contribuir com o Acordo de Paris, ambos em 2015.
Em 1999, foram criadas a Coordenação de Mudança do Clima no Ministério de Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI) e a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC). Esta comissão, co-presidida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pela MCTI, é composta exclusivamente por ministérios. Seu objetivo é “articular a ação governamental no que diz respeito às COPs, validar projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e coordenar e integrar as ações climáticas de diferentes ministérios”.
Em 2000, um Decreto Presidencial instituiu o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), sob presidência do Presidente da República e coordenação de um Secretário por ele/ela nomeado, com objetivo de “produzir orientações estratégicas, mobilizar a sociedade e monitorar a implementação da política”. E, em 2007, foi a vez da Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA), criada pela Portaria do MCTI nº 728/2007. Seu objetivo é fornecer assessoria técnica e científica sobre mudanças do clima, incluindo a produção de informações para formulação de políticas públicas.
Em novembro de 2007, o Decreto nº 6.263 criou o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). Ele seria encarregado de elaborar dois importantes documentos: o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (lançado em dezembro de 2008) e a Política Nacional sobre Mudança do Clima (instituída em 2009 por meio da Lei nº 12.187/2009).
O CIM foi extinto no ano de 2019 (Decreto nº 9.759), mas recriado no mesmo ano (Decreto nº 10.145), com algumas mudanças relacionadas às suas atribuições e ministérios integrantes. A responsabilidade pela elaboração, implementação, monitoramento e avaliação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima ficou a cargo do Grupo Executivo sobre Mudança do Clima (GEx), criado em 2007 pelo mesmo decreto que instituiu o CIM (Decreto nº 6.263).
Em 2012, foi proposta a criação do Grupo de Trabalho de Adaptação (GT Adaptação), por iniciativa do GEx e sob coordenação conjunta do MMA e MCTI. A primeira reunião ocorreu em fevereiro de 2013. O objetivo principal do GT é estabelecer e estruturar medidas governamentais de adaptação à mudança do clima. Além disso, o GT também realiza debates técnicos com os atores relevantes nos diversos temas e setores vinculados à adaptação. Sua atuação resultou no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), instituído em 10 de maio de 2016 pela Portaria nº 150, com o objetivo de “promover a redução da vulnerabilidade nacional à mudança do clima e realizar uma gestão de risco associada a esse fenômeno” (BRASIL, p. 131, 2016).
De acordo com avaliação realizada por Nathalie Unterstell e colaboradores no primeiro capítulo da Nota Técnica “A Política Nacional de Mudança do Clima em 2020: estado de metas, mercados e governança assumidos na Lei 12.187/20” (SANTOS, 2021):
Além dos instrumentos institucionais previstos no art. 7º da lei, foram gradualmente criados espaços de decisão, formulação e implementação da PNMC para a execução das diretrizes previstas por ela. Chegou-se a um número de 34 colegiados relevantes, sendo 5 deles dispostos na Lei 12.187/2009 como dito acima e outros 17 criados entre 2009 e 2019 (SANTOS, 2021, p. 12).
A figura 2 traz uma representação dos espaços da governança climática federal que foram avaliados neste estudo, agregados por função básica: a) articular os ministérios e governos, b) elaborar os planos nacionais, c) discutir com sociedade civil e assessorar de modo técnico e científico. A figura 3, por sua vez, aborda as especificidades de cada espaço. Importante destacar que neste trabalho não avaliamos se estes espaços de governança estão em funcionamento atualmente. Para essas informações adicionais, recomenda-se a Nota Técnica citada anteriormente (SANTOS, 2021).
Figura 2. Estrutura da Governança Climática Federal. Fonte: Elaboração das autoras a partir de ICS, 2017.
Figura 3. Características de cada espaço da governança climática federal. Fonte: Elaboração das autoras a partir de ICS, 2017.
GÊNERO E CLIMA
A questão de gênero emerge nas discussões internacionais sobre mudança do clima desde a década de 1990. Porém, apenas em 2017 a UNFCCC lançou o Plano de Ação de Gênero para apoiar os países a incorporar essa questão em suas políticas climáticas. Parte desse apoio consiste também em avaliar as diferentes necessidades entre homens e mulheres e incentivar o aumento da participação de mulheres na tomada de decisões.
No Brasil, no entanto, essa discussão ainda é incipiente. De acordo com análise feita sobre as políticas climáticas federais em nota técnica anterior5, o Plano Nacional e a Política Nacional de Mudança do Clima, do final dos anos 2000, não tratam dessa temática. Já o Plano Nacional de Adaptação, de 2016, passou a incorporar questões sociais e de gênero, acompanhando as discussões internacionais. Contudo, a abordagem dos temas esteve centrada apenas na vulnerabilidade das mulheres e de outros grupos sociais, aproveitando pouco o potencial desses grupos em propor soluções para os problemas do clima.
Este relatório técnico apresenta agora uma avaliação quantitativa da
participação de homens e mulheres nas reuniões realizadas pelo CIM, GEx, CIMGC, FBMC, Rede Clima e GT Adaptação. O objetivo é verificar se a estrutura da governança climática federal apresenta uma participação equitativa ou próxima da equidade entre os gêneros em seus órgãos e colegiados.
3. MÉTODO
Para avaliar os percentuais de gênero nas estruturas federais de governança climática, foram elencados os espaços definidos pela Política Nacional sobre Mudança do Clima em seu artigo 7º, além do Grupo de Trabalho de Adaptação (GT Adaptação), vinculado ao Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima (PNA).
Art. 7o Os instrumentos institucionais para a atuação da Política Nacional de Mudança do Clima incluem:
I – o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima; (CIM)
II – a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima; (CIMGC)
III – o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima; (FBMC)
IV – a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais – Rede Clima;
V – a Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia (BRASIL, 2009, p. 3. As siglas foram adicionadas pelas autoras)
Dos órgãos institucionais acima citados, todos foram avaliados (CIM, CIMGC, FBMC e Rede Clima), exceto a Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia (órgão colegiado do MCTI), extinta pelo Decreto 9.759 de 11 de abril de 2019. Para além dessa lista, também foram avaliados o Grupo Executivo (GEx), ligado ao CIM, e o GT Adaptação.
As atas com registro de presença das reuniões do CIM, GEx, CIMGC e GT Adaptação foram solicitadas pela Lei de Acesso à Informação nos dias 23/11/2020 e 15/12/2020 e recebidas entre os dias 04/12/2020 e 07/01/2021. Pediu-se acesso às atas de todas as reuniões, desde a criação dos órgãos até o momento da solicitação. As informações referentes ao FBMC6 e à Rede Clima7 foram obtidas diretamente em seus websites oficiais.
Desta forma, a partir das listas de membros presentes nas reuniões ou que compõem os organismos e colegiados, foi possível definir a quantidade de homens e de mulheres atuantes, bem como o percentual de cada gênero.
Figura 4. Método de avaliação dos órgãos e colegiados e número de reuniões avaliadas por órgão/colegiado, nos casos em que se aplica.
Em relação ao CIM, foram avaliadas apenas duas reuniões, uma ordinária (21/10/2020) e uma extraordinária (08/12/2020), pois o colegiado, criado em 2007, foi extinto com a publicação do Decreto nº 9.759, de 2019, e recriado pelo Decreto nº 10.145, de 2019. A Casa Civil, responsável pelo registro das atas, em resposta oficial obtida pela Lei de Acesso à Informação, afirmou que “foram efetuadas buscas no arquivo deste órgão, não tendo sido localizadas atas e listas de presença de reuniões do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima ocorridas entre 2007 e 2019”.
No caso do GEx, foram analisadas 32 reuniões no período entre 18/04/2011 e 21/02/2018. Não foi possível analisar a reunião realizada no dia 09/11/2012, pois a ata não está disponível em sua totalidade.
Entre 29/06/2015 e 04/06/2019, 83 reuniões realizadas no âmbito da CIMGC foram avaliadas. Não houve registro de atas durante o ano de 2016.
O GT Adaptação contou com 33 reuniões avaliadas, que ocorreram entre 01/02/2013 e 15/03/2016.
Como mostra a Figura 3, o FBMC estrutura suas atividades em dez Câmaras Temáticas. Portanto, o percentual por gênero foi calculado para cada Câmara Temática. A pesquisa analisou os nomes de participantes conforme registro disponibilizado em website. Não foi avaliada a Câmara Temática de Defesa e Segurança por não haver documentos ou registro de reuniões.
Da Rede Clima, foram avaliados os/as coordenadores/as das 16 sub-redes temáticas (Figura 3). Cada sub-rede possui dois coordenadores, exceto a de Divulgação Científica, que não apresenta registro de coordenação. A pesquisa levou em conta três elementos em relação às pessoas que desempenham a função: o gênero, as regiões de origem e a área temática de atuação, segundo a tabela de Área de Conhecimento/Avaliação da Fundação CAPES8 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Os resultados foram dispostos em gráficos que mostram o percentual de participação por ano, e não se referem ao número de indivíduos. Isso significa que um indivíduo pode ter participado de mais de uma reunião ao longo do ano. Os dados também foram dispostos em gráficos de percentual por reunião e, neste caso, o número total se refere ao número de indivíduos.
Nas reuniões onde houve registro em ata sobre a condição do participante (representante com poder decisório ou apenas convidado), verificou-se a proporção de gênero entre representantes e convidados. Nestes casos, as análises também foram realizadas por número de participações, e não por indivíduos.
4. RESULTADOS
Os resultados serão apresentados separadamente para cada espaço de governança, através de gráficos que mostram o percentual de participação por ano, e não se referem ao número de indivíduos. Isso significa que um indivíduo pode ter participado de mais de uma reunião ao longo do ano. Os dados também foram dispostos em gráficos de percentual por reunião e, neste caso, o número total se refere ao número de indivíduos.
Nas reuniões onde houve registro em ata sobre a condição do participante (representante com poder decisório ou apenas convidado), verificou-se a proporção de gênero entre representantes e convidados. Nestes casos, as análises também foram realizadas por número de participações, e não por indivíduos.
COMITÊ INTERMINISTERIAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA (CIM)
Uma vez que não foi possível ter acesso às atas anteriores ao ano de 2019, a pesquisa avaliou apenas as duas reuniões de 2020 nas quais havia registro dos participantes. Na primeira reunião (20 de outubro) havia 29 participantes; na segunda, 30 participantes. Em ambas, participaram apenas 3 mulheres. Portanto, em ambos os encontros, o percentual de participação de mulheres foi de aproximadamente 10% (Figura 5).
Figura 5. Gráfico indicando participação percentual por gênero nas duas reuniões avaliadas no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), desde sua reformulação em 2019. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 69).
Ao avaliar a participação por gênero dos participantes com poder decisório, constatou-se a presença de apenas 2 mulheres de um total de 16 representantes, ou seja, um percentual de cerca de 12%. Entre os convidados, apenas 4 de 43 eram mulheres, um percentual de aproximadamente 9% (Figura 6). Percebe-se uma baixa representatividade feminina no CIM, tanto entre os membros representantes (com poder decisório) quanto entre os convidados (sem poder de voto).
Figura 6. Gráfico indicando participação percentual por gênero como membro convidado ou representante nas duas reuniões avaliadas no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), desde sua reformulação em 2019. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 69).
GRUPO EXECUTIVO (GEx)
A avaliação das 32 reuniões do GEx ocorridas entre 2011 e 2018 observou um total de 841 participações, sendo 315 femininas e 526 masculinas – uma diferença percentual de aproximadamente 25%. No recorte por ano, houve predominância de participações masculinas nas reuniões: uma média de aproximadamente 60% de participação de homens para 40% de participação de mulheres (n=7 – total de anos; Figura 7). A exceção foi o ano de 2015, quando houve maior participação de mulheres. O ano com maior discrepância entre os gêneros foi o de 2013, com 9 reuniões, nas quais houve 143 participações masculinas e 73 femininas. Isso representa uma participação 30% maior de homens. Em contrapartida, 2015 foi o ano que apresentou menor discrepância: com apenas uma reunião, 16 participantes eram mulheres e 13 eram homens, uma diferença de 10%.
Figura 7. Gráfico indicando participação percentual por gênero nas reuniões avaliadas no âmbito do Grupo Executivo (GEx), agrupadas por ano (2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2018). O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 841).
Em média, houve 26 participantes por reunião, sendo 16 homens e 10 mulheres, ou seja, um percentual médio de 63% de homens e 37% de mulheres por encontro (n=32 – total de reuniões). Ao avaliar cada reunião individualmente, verificou-se uma maioria feminina apenas na 28ª reunião, de 14 de julho de 2015 (Figura 8). Em todas as outras, o gênero masculino foi predominante. A 19ª reunião, de 02 de abril de 2013, apresentou a maior discrepância entre homens e mulheres, com 18 homens e 5 mulheres, uma diferença em torno de 56%. A reunião com a menor discrepância foi a 14ª, de 03 de outubro de 2012, com 14 homens e 13 mulheres, resultando em uma diferença de cerca de 4%.
Figura 8. Gráfico indicando percentual de participantes por gênero nas 32 reuniões avaliadas no âmbito do Grupo Executivo (GEx) entre os anos de 2011 e 2018, com exceção da 15ª reunião, por ausência de registro (n = 841).
Apenas em sete reuniões houve registro em ata diferenciando os membros entre representantes (ou seja, com poder de voto) e convidados. Foram elas: a 17ª, 18ª, 19ª, 20ª, 22ª, 23ª e 25ª. Ao avaliar a diferença de gênero entre os membros com esses dois estatutos diferenciados, foi possível verificar apenas 3 participações de mulheres na condição de representantes, contra 43 participações de homens. A diferença, neste caso, é considerável, aproximadamente 87%. Quando a análise se refere à participação do membro enquanto convidado, a diferença entre participações femininas e masculinas cai para cerca de 10% (Figura 9).
Figura 9. Gráfico indicando participação percentual por gênero como membro convidado ou representante em sete reuniões avaliadas no âmbito do Grupo Executivo (GEx), nas quais houve registro acerca do tipo de participação dos membros. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 170).
COMISSÃO INTERMINISTERIAL SOBRE MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA (CIMGC)
Nas 83 reuniões do CIMGC avaliadas entre 2005 e 2019, houve 810 participações masculinas e 439 femininas, uma diferença de aproximadamente 30%. A participação masculina foi maior que a feminina em todos os anos analisados, com uma média de 65% de participação masculina contra 35% de participação feminina (n=14 – total de anos). O ano de 2005 apresentou a maior discrepância entre gêneros: 56 participações masculinas contra 12 femininas em sete reuniões, uma diferença de cerca de 65%. Em contrapartida, 2015 foi o ano com o menor percentual de diferença, próximo de 2%, sendo 47 participações masculinas e 45 femininas em seis reuniões (Figura 10).
Figura 10. Gráfico indicando participação percentual por gênero nas reuniões avaliadas no âmbito da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC), agrupadas por ano (2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017, 2018 e 2019). O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 1249).
Ao avaliar as reuniões individualmente, verificou-se uma média de 15 participantes por encontro, sendo cerca de 10 homens e 5 mulheres, ou seja, cerca de 65% de homens e 35% de mulheres (n=83 – total de reuniões). Das 83 reuniões, sete apresentaram número de mulheres superior ao número de homens, sendo elas: a 37ª, 73ª, 74ª, 85ª, 99ª, 107ª e 108ª. Em todas as outras, o gênero masculino foi predominante. A reunião de número 61, ocorrida em 18 de março de 2011, apresentou maior discrepância entre os gêneros: 6 homens e nenhuma mulher. Por outro lado, as reuniões 82ª, de 26 de setembro de 2014, 83ª, de 25 de novembro de 2014, e 109ª, de 04 de fevereiro de 2019, apresentaram equidade de gênero, com oito, três e quatro membros de cada gênero, respectivamente (Figura 11).
Figura 11. Gráfico indicando percentual de participantes por gênero nas 83 reuniões avaliadas no âmbito da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC) entre os anos de 2005 e 2019, com exceção do ano de 2016 por ausência de registro (n = 1249).
Por fim, para compreender a relação de gênero entre membros representantes, ou seja, com poder decisório, e membros convidados, foram avaliadas 72 reuniões em que houve registro dessa diferenciação. Dentre as 72 reuniões, houve 135 participações femininas na condição de representantes contra 335 participações masculinas, uma diferença aproximada de 42%. No caso de participação enquanto membro convidado, os homens ainda são maioria, embora com uma diferença menor, em torno de 17% (Figura 12).
Figura 12. Gráfico indicando participação percentual por gênero como membro convidado ou representante em 72 reuniões realizadas no âmbito da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC), nas quais houve registro acerca do tipo de participação dos membros. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 1144).
FÓRUM BRASILEIRO DE MUDANÇA DO CLIMA (FBMC)
As autoras entraram em contato com a organização do FBMC para obter os dados referentes às participações nas reuniões e, assim, verificar o percentual de homens e mulheres. A organização forneceu a seguinte resposta:
A participação nas CTs é pública e não pedimos qualquer identificação dos participantes. Nem de gênero, nem de setores econômicos, podendo, inclusive, ser anônima. Caso haja necessidade específica na informação, ela poderá ser extraída pela parte interessada em nossos links abaixo. Quanto às representações formais do FBMC, na coordenação, comissões e conselhos instituídos pelo Governo Federal, atualmente contamos com a participação voluntária, não remunerada, de 3 mulheres e 4 homens.
Os links aos quais a mensagem se refere são de grupos do aplicativo Telegram, cujo acesso é livre. Segundo o estudo de Unterstell (2017), o FBMC foi avaliado como um órgão ativo e representativo. No entanto, não foram encontrados registros atuais de reuniões, exceto transmissões online no Youtube e Facebook, e algumas reuniões realizadas no ano de 2018 no âmbito das Câmaras Temáticas (CTs). Por esse motivo, o percentual de gênero nas CTs foi avaliado de acordo com o registro dos nomes dos participantes disponibilizados no website do Fórum.
O resultado da pesquisa mostrou que, dentre os 313 participantes das nove Câmaras Temáticas avaliadas, aproximadamente 58% eram homens e 42% mulheres. Ao considerar as nove Câmaras Temáticas que registraram os participantes das reuniões, apenas a CT 10 (Adaptação, Gestão de Risco e Resiliência) apresentou um percentual superior de mulheres. Nas demais, a predominância é masculina.
Em média, cada Câmara Temática contou com cerca de 34 participantes, sendo aproximadamente 20 homens e 14 mulheres, uma diferença próxima de 12%. A CT 9 (Ciência, Tecnologia e Inovação) apresentou menor discrepância entre gêneros: 18 homens e 16 mulheres, uma diferença aproximada de 6%. O espaço mais discrepante foi a CT 2 (Energia), com 14 homens e 9 mulheres, o que representa quase 22% de diferença (Figura 13).
Figura 13. Gráfico indicando percentual de participantes por gênero nas Câmaras Temáticas do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), com exceção da Câmara Temática 7 – Defesa e Segurança, por ausência de registro. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 313).
REDE BRASILEIRA DE PESQUISAS SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS (REDE CLIMA)
Em relação à Rede CLIMA, foram avaliados os pesquisadores coordenadores das sub-redes temáticas. Destaca-se que a sub-rede Divulgação científica não apresenta coordenadores. Com um total de 29 pesquisadores coordenadores de quinze sub-redes, observou-se que cerca de 72% são homens e 28% mulheres (Figura 14). As 8 mulheres fazem parte das sub-redes de Biodiversidade e Ecossistemas, Desastres Naturais (única rede coordenada por duas mulheres), Oceanos, Políticas Públicas, Saúde, Usos da Terra e Zonas Costeiras.
Figura 14. Gráfico indicando o percentual por gênero de pesquisadores coordenadores das sub-redes na Rede CLIMA. O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n= 29).
Outra dimensão importante avaliada foi a região de origem dos pesquisadores, bem como as grandes áreas de conhecimento que eles integram. Os dados apontam a predominância de pesquisadores da região Sudeste (Figura 15a), representados por EMBRAPA – RJ, UFRJ – RJ, UERJ – RJ, Fiocruz – RJ, UFMG – MG, CEMADEN – SP, USP – SP e INPE – SP. Além disso, a maioria dos pesquisadores pertence às áreas de Ciências Exatas e da Terra e de Ciências Biológicas (Figura 15b). Isso sugere a centralização das discussões sobre mudanças climáticas nos seus aspectos físicos e bióticos, em detrimento dos aspectos humanos e sociais. Dentro da grande área de Ciências Sociais Aplicadas, a área de atuação dos pesquisadores concentra-se nas disciplinas de Economia e Demografia. Há apenas uma pesquisadora da área de Ciências Humanas, com atuação em Ciência Política.
Figura 15. a) Tabela indicando a região geográfica brasileira de origem dos pesquisadores coordenadores das sub-redes temáticas da Rede CLIMA (n=29); b) Tabela indicando a Área de Conhecimento de atuação dos pesquisadores coordenadores das sub-redes temáticas da Rede CLIMA (n=29).
GRUPO DE TRABALHO SOBRE ADAPTAÇÃO À MUDANÇA DO CLIMA (GT Adaptação)
No caso do GT Adaptação, responsável pela formulação do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima (2016), foram avaliadas 33 reuniões ocorridas entre 2013 e 2016. Durante esses encontros, houve um total de 623 participações, sendo 353 femininas e 270 masculinas, ou seja, uma diferença de 13% a mais para as mulheres. Com exceção do ano de 2016, a participação feminina nas reuniões suplantou a masculina, com uma média de 55% de participação de mulheres e 45% de homens (n=4 – total de anos). O ano de 2014 apresentou maior discrepância entre gêneros, revelando uma diferença de cerca de 20% a mais para o gênero feminino. Já o ano 2016 apresentou a menor diferença entre os gêneros, com uma participação masculina por volta de 2% maior que a feminina (Figura 16).
Figura 16. Gráfico indicando participação percentual por gênero nas reuniões avaliadas no âmbito do Grupo de Trabalho de Adaptação (GT Adaptação), agrupadas por ano (2013, 2014, 2015 e 2016). O rótulo de dados indica o número absoluto para cada categoria (n = 623).
Constata-se uma mudança no ano de 2016, com uma maior participação total de homens. Isso se deve ao fato de a 27ª reunião ter apresentado 9 homens e 6 mulheres, o que, em um universo de apenas três reuniões neste ano, levou à suplantação de homens no número total. Ressalta-se que 2016 foi o ano de lançamento do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA). Assim, o fechamento do PNA ocorreu na 29ª reunião do GT, em março de 2016.
Na avaliação das reuniões de forma individual, a média foi de 22 participantes por reunião, sendo 10 homens e 12 mulheres, uma diferença de aproximadamente 12% (n=28). Quatro reuniões apresentaram equidade de gênero: a 16ª, 24ª, 25ª e 28ª. Quatro reuniões apresentaram maior número de homens do que de mulheres: a 1ª, 12ª, 19ª, 23ª e 27ª. Em todas as outras, o percentual de mulheres foi maior do que o de homens. A 5ª reunião apresentou a maior discrepância entre gêneros, com 7 homens e 20 mulheres, uma diferença de cerca de 48% (Figura 17). Como não houve registro em ata diferenciando os membros entre convidados e representantes, não foi possível realizar uma avaliação com esse recorte.
Figura 17. Gráfico indicando percentual de participantes por gênero nas 28 reuniões avaliadas no âmbito do Grupo de Trabalho de Adaptação (GT Adaptação) entre os anos de 2013 e 2016 (n = 623).
DISCUSSÃO
A partir dos dados levantados, percebe-se a predominância masculina nos espaços de governança climática em nível federal. A exceção é o GT Adaptação, responsável pela formulação do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA).
É interessante notar que, conforme já discutido em nota técnica anterior, há uma clara diferenciação em relação às questões de gênero entre o Plano Nacional sobre Mudança do Clima e o Plano Nacional de Adaptação. Embora não se possa estabelecer uma relação direta de causalidade, uma vez que diversos fatores estão envolvidos na construção das políticas climáticas, o fato de o GT Adaptação ser o único espaço com maior participação feminina pode ter contribuído para a construção de um Plano mais sensível às questões de gênero.
A problemática da mudança do clima é geralmente tratada em duas esferas: a mitigação e a adaptação. As definições desses termos, de acordo com a plataforma AdaptaClima do Ministério do Meio Ambiente, é a seguinte:
A mitigação refere-se à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) para evitar ou reduzir a incidência da mudança do clima; enquanto a adaptação busca reduzir seus efeitos danosos e explorar possíveis oportunidades. […] Enquanto ações de mitigação atuam no sentido de reduzir o risco climático pela redução do perigo (no caso, redução de emissões de GEE que reduz a probabilidade de ocorrência de evento climático extremo), as ações de adaptação têm a possibilidade de influenciar o risco por meio da redução da vulnerabilidade e/ou exposição dos sistemas (ADAPTACLIMA, 2021).
Ao analisar essa diferença sob uma perspectiva de gênero, vê-se uma concentração do debate sobre gênero nos aspectos relacionados à adaptação das mudanças do clima. Isto é, a temática está presente especialmente em questões sobre a “vulnerabilidade das mulheres” na esfera da adaptação, como tratado na nota anterior. Em consequência, os debates sobre mitigação ficam centralizados no escopo técnico-científico, especificamente nas áreas de Ciências Físicas e Exatas, nas quais historicamente há um predomínio masculino.
Há, portanto, relações desiguais de gênero na dualidade entre adaptação e mitigação. Elas podem ser observadas, por um lado, no predomínio de mulheres na elaboração do Plano Nacional de Adaptação e, por outro, na sua ausência em outras instâncias de elaboração de políticas, como o Plano Nacional de Mudanças do Clima, centrado nos aspectos de mitigação.
Para uma análise mais profunda, deve-se considerar também a participação entre membros convidados e membros representantes nos órgãos e colegiados. Ao avaliar essa participação por gênero, percebe-se uma predominância de homens entre os membros representantes, ou seja, com poder decisório. Isso indica que, mesmo quando existem mulheres nesses espaços, elas ocupam principalmente a posição de convidadas, sem poder de voto.
Nesse recorte por gênero, outro fator precisa ser levado em conta: o predomínio de representantes de ministérios, especialmente nas instâncias decisórias e de elaboração de políticas (como no caso do Grupo Executivo). Isso significa que, quando as mulheres participam enquanto representantes, elas em geral são membros de ministérios (Anexo 1). Sem uma representatividade relacionada à raça, classe social ou etnia, ficam de fora desses espaços as principais afetadas pelos efeitos negativos da mudança climática.
Por fim, chama atenção o caso da Rede CLIMA, composta por pesquisadores e cientistas, responsáveis pela assessoria técnica relacionada às questões climáticas. Além de uma alta discrepância entre gêneros, com predominância masculina, percebe-se também uma concentração de pesquisadores da região Sudeste do país, bem como das áreas das Ciências Exatas e Biológicas. Os dados sugerem uma baixa representatividade regional dentre as vozes que detém a autoridade técnica e científica a respeito da mudança do clima.
Em um país com dimensões continentais e com grandes especificidades (ecológicas, climáticas, políticas, históricas, sociais e econômicas), a diversidade de vozes e especialistas é essencial para uma maior representatividade no entendimento dos problemas e na proposição de soluções. Além disso, o predomínio de cientistas das áreas de Exatas e Biológicas indica que a questão da mudança climática ainda vem sendo tratada como uma questão apartada dos problemas sociais, o que pode se refletir em políticas pouco efetivas e pouco condizentes com a realidade brasileira.
5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
A importância da diversidade humana para a resolução de problemas já foi evidenciada em diversas pesquisas, e a diversidade de gênero é um fator importante. Estudos demonstraram que pesquisas com maior diversidade de gênero e de etnia entre os autores tendem a ter maior impacto e serem percebidos como de maior qualidade pela comunidade científica. A mudança do clima é uma problema multidisciplinar que não se restringe à questão ambiental, mas abarca igualmente as dimensões sociais, econômicas, ambientais e psicológicas, entre outras, da nossa sociedade. Por isso, a diversidade (de gênero, raça, etnia, classe, idade) é essencial para a construção de políticas que consigam de fato dar conta dessas múltiplas dimensões.
No entanto, como aponta Beck, “o discurso sobre política climática até agora é um discurso especialista e elitista no qual povos, sociedades, cidadãos, trabalhadores, eleitores e seus interesses, opiniões e vozes são muito negligenciados”. É isso que podemos perceber na estrutura institucional climática brasileira.
A análise dos dados identificou a predominância masculina nos espaços institucionais da governança climática brasileira, com exceção do Grupo de Trabalho de Adaptação, vinculado à elaboração do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. O predomínio masculino se dá também entre os membros que apresentam poder decisório na reunião dos órgãos/colegiados.
Outra dimensão observada é a centralização de membros de ministérios nos órgãos responsáveis pela elaboração das políticas climáticas (o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima e o Plano Nacional de Adaptação). Ao mesmo tempo, há uma baixa participação de mulheres da sociedade civil, considerando-se que o colegiado que desempenha essa função (o Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima) apresenta predominância masculina, segundo os poucos registros mantidos. Além disso, verifica-se a predominância de homens no colegiado responsável pela assessoria técnica (Rede CLIMA), bem como a maior representação de profissionais das áreas de Ciências Exatas, Biológicas e da Climatologia.
É necessário ampliar a participação de mulheres em espaços institucionais brasileiros em nível federal vinculados à questão climática, para que se alcance a equidade de gênero, especialmente nos organismos que tratam da mitigação. As perspectivas de gênero ainda estão restritas aos aspectos de adaptação à mudança do clima, relegando à mulher, e a outras populações marginalizadas, o papel de vítimas do clima. Assim, nega-se a agência dessas populações e a capacidade delas de propor soluções nas diversas esferas relacionadas à mudança climática.
Destaca-se igualmente a importância de uma maior participação da sociedade civil, para além do escopo técnico. É imprescindível que não apenas mulheres representantes dos ministérios ou do corpo técnico tenham acesso às discussões, mas também representantes de grupos historicamente marginalizados (por conta de sua raça, etnia ou classe social), uma vez que é nesses corpos que os efeitos da mudança do clima incidirão diretamente. Para que isso aconteça, não basta apenas buscar a equidade de gênero como um fim em si mesmo: é importante considerar as barreiras estruturais e as relações de poder que impedem mulheres e outros grupos marginalizados de exercerem sua agência (isto é, de terem plena capacidade de fazer escolhas) e de terem suas vozes, entendimentos, perspectivas e experiências respeitados nesses espaços institucionais.
Referências
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“Este conteúdo não representa, necessariamente, a opinião do Observatório do Clima ou de qualquer um de seus membros.”
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